Não subir o tom de voz. Não suspirar. Não me queixar. Não disfarçar a dor. Pedir ajuda. Evitar fazer quatro coisas ao mesmo tempo. Não gerir o tempo dos outros na medida do meu. Não controlar nada nem ninguém, as coisas aparecem feitas na mesma. Ter tempo para não fazer nada. Estar apenas. A vegetar. Ser um bróculo por momentos, ser um molho de bróculos e curtir a minha dimensão esverdeada. Não fazer planos. Esquecer-me das horas. Chegar atrasada como todos os portugueses. Culpar alguém que não eu mesma. Deixar cair a bitola de excelência que inventei que inventaram para eu alcançar. Mandar tudo às urtigas. Prolongar os abraços com o meu marido pela simples necessidade de ser abraçada. Ir ao cabeleireiro ler revistas sobre o Cristiano Ronaldo e saber tudo sobre a vida de José Castelo Branco. Deixar de ter um blog diário. Aceitar com generosidade o excesso de advérbios de modo e duplas negativas, há coisas contra as quais não vale a pena combater. Ignorar as segundas-feiras. Dar os relógios todos. Nunca mais pagar impostos. Fazer viagens de 15 dias a cada três meses. Dizer que não. Dizer que agora não posso. Deixar de pensar na falência do corpo, na pele seca, nas gorduras, nas coisas óbvias dessa doença degenerativa que é vida. Não ir ao dentista. Não tomar comprimidos. Acreditar em algo melhor todos os dias. Não dizer sempre as mesmas coisas: tira os pés daí, fecha a boca enquanto comes, vai estudar, lava o aparelho, estou a falar não me interrompas, faço já, desculpa não comprei, sim, estou a ir. Chorar mais vezes. Publicar isto e depois pensar que sou apenas patética e, depois, isso não ter qualquer importância.