terça-feira, 14 de outubro de 2008

E ainda


2.
Pensa nisso. Como um pedido ou uma ordem. Tu desse lado. Eu deste. Tu a fazer de conta que sou eu e a dizer que a sala do museu era quadrada, perfeita, sabendo que eu correria para a outra frase, um quadrado não é perfeito. Não me lembro da criança, nem do Rembrandt, desculpa. Lembro-me do meu corpo em frente a um espelho e do teu sexo sossegado, em contemplação infantil do meu. Entre nós o sexo não teve outra coisa senão isso, a contemplação e o choro. Nunca tivemos sexo, claro, só o toque e a língua dentro um do outro, como um pedido, uma tortura. A tua verdade não suporta a ideia do meu corpo tão pequeno, tão sem jeito e depois, ao contrário do que dizes, eu só acredito na mentira e na mentira de Deus. Sim, porque na sua imensa sabedoria, Ele dá-nos a hipótese da verdade ao contrário e isso traduz-se na mentira. A mentira do sexo, da tua língua, da apreciação teórica sobre o Rembrandt (eu gosto mais do Turner, desculpa outra vez). O que me alegra é pensar que sentes o meu cheiro à distância, cheiro a nuvens, disseste, e que continuas a enganar-te com a ideia de verdade. Sinto quase uma comoção quando te referes às imagens como verdadeiras, aos filmes. Nunca aos livros, porque esses metem medo, não é? Não acredito nas imagens, nem nos santos e talvez nem sequer Nele. Faço a apologia da ilusão, como num grande cenário, barroco, sublime, em tudo o que parece não é, deliberadamente, apenas uma mas mil coisas. Vou obrigar-te a contar a história do princípio, porque todas têm um princípio e tu não podes reduzir-me a um papel que tu interpretas (que mal que o interpretas, meu amor). Pensa nisto e recomeça.