domingo, 29 de junho de 2008

adeus até ao meu regresso

De 30 de Junho a 8 de Julho, lamento, mas o blogue encontra-se encerrado. Vou fazer as malas para Paraty, rumo à Flip. Para quem quiser morrer de inveja, por favor, vá morrer longe.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

o massagista


O massagista não fala português.
Nem inglês.
Tem uma quebra na sobrancelha, uma falha.
Quando sorri faz uma cova no rosto, do lado esquerdo.
Pega no pé com gentileza, quase carinho.
Nas costas do massagista, na parede, lê-se: pés, 25 euros.
O polegar a friccionar a planta do pé, a mão inteira a subir pelas pernas até ao joelho.
Óleo misturado com um creme branco.
Não há nada de sexual na massagem.
A mulher reclina-se na cadeira, um almofadão inesperado revela-se.
Fecha os olhos.
O massagista prossegue.
O pé tem, neste momento, vida própria, não existe dentro do corpo da mulher.
Ganhou autonomia.
Ainda de olhos fechados, a mulher sorri.
O massagista tailandês está concentrado nos pés e apenas nos pés.
A mulher olha-o mais uma vez e regressa ao encosto.
Em que pensa o massagista?
A mulher não pensa em nada.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Beatriz

Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim, me leva para sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Ah, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se um arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida


Chico Buarque/Edu Lobo, na voz de Ana Carolina

terça-feira, 24 de junho de 2008

os morangos na Bica


A festa anual da Bica do Sapato é pretexto para para ver e rever amigos, perceber que as pessoas não têm maneiras a comer, ver vestidos repetidos, o melhor da Zara e o pior da Gucci, sapatos que brilham, corpos esbeltos, rapazes que nunca ninguém viu nem se sabe onde nasceram e para onde vão, socialites, intelectuais, escritores, artistas plásticos, pessoas que trabalham vagamente na comunicação social mas não se sabe a fazer o quê, estilistas tímidos, mulheres cheias de maquilhagem, mulheres lindas de capa de revista, homens bem postos, copos de champagne que voam à velocidade da festa e, perto da grande janela a ver o Tejo, uma taça brutal, enorme, irresistível de um vermelho doce e fresco: os melhores morangos que comi este ano. Para o ano há mais.

Afinal não cresci

Se crescer é difícil, enfrentar gente antipática e sisuda com propostas ilegais, como naquele encontro na Versailles há uns dias, crescer também se nota na banalidade da compra de um vestido comprido.

- Quanto é, é. Não se sonha com as Berlengas, sonha-se com a Polinésia.

Por isso, vi um grande amigo almoçar (o meu dente ainda a fazer resistência) na Brasserie Flou, desci a avenida da Liberdade e entrei na Carolina Herrera.
Se eu tivesse crescido convenientemente, enfrentado os meus problemas reais de mãe de família (a praia com a escola para pagar, o dentista, o subsídio de férias da empregada, o campo de férias do Sebastião, o aparelho dos dentes do Micas...) teria resistido, mas a verdade é que não passo de uma criança: o vestido é leve, a seda da cor de prata, o corte perfeito e, hélas, feito para mim, para mim, só para mim.

Abençoados os saldos, apesar de tudo.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

o dentista

O dentista é um homem novo com pinta.
É meu dentista já faz tempo.
É o meu preferido. Gentil. Cuidadoso. Explica tudo. Ouve música. Fala-me em alemão, por vezes, para lembrar amigos comuns da escola alemã.
Uma vez teve a gentileza do silêncio enquanto eu chorava copiosamente. Devo-lhe este gesto para sempre.
Assobia bem e certinho. Enquanto me esburaca a boca vai perguntando se está tudo bem.
Eu respondo por sms e mostro o telefone.
Ele usa uma máscara azul e eu sei de cor todos os poros do seu rosto do nariz até aos cabelos curtos e castanhos (talvez ele não saiba, mas há um branco a despontar).
Sei o desenho das suas sobrancelhas, os pêlos rebeldes, as marcas do tempo, os olhos verdes.
Ao fim de duas horas de o olhar, a luz forte a mexer lá em cima, a orientá-lo, as suas mãos dentro da minha boca, ele diz:

- Três dias de cara inchada, miúda. Vai parecer que o teu marido te bateu.

domingo, 22 de junho de 2008

fim de semana?

Sábado de manhã no Museu da Música, um stradivarius de Dom Luís, o piano de Luis Freitas Branco, miúdos a correr de um lado para o outro, miúdos a tentarem não fazer barulho enquanto outros miúdos tocam piano, viola, violoncelo, violino. O Micas toca duas composições, faz um gesto com a mão para evitar as palmas, seguro, concentrado. O Sebastião toca uma melodia jazzística em grande estilo. Aplausos. Risos. Almoço no Deli, um cansaço sem fim, cabeleireiro, dor de dentes intensa, comprimidos, vestido, calças, sapatos, interrogações de última hora, nada de maquilhagem, rimmel talvez e depois Rodrigo Leão no Casino Lisboa, composições novas, uma luz que atinge e nos cobre de uma nostalgia feliz, se tal for possível. Presos na cidade, uma da manhã, trânsito compacto, operação stop, miúdos com sono, muito sono. Domingo, Sabat Mater nos Jerónimos, os miúdos do Conservatório, o Gugas a cantar maravilhosamente e as lágrimas a escorrerem sem remédio. Piscina e frango assado, um atlas para entregar na escola, a minha Inês ao telefone, suspiros e risos, caracóis do filho do menino do Júlio dos caracóis ao fim do dia, itália espanha, silêncio por fim. Fim de semana? Sim. Uma espécie de fim de semana.

sábado, 21 de junho de 2008

em surdina

O miúdo na casa de banho disse:

- Sabias que eu achava que as meninas não faziam cócó.

- Porquê?

- Porque não achei que fosse feminino.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

o colo ao contrário

Na luz estranha da sala de cinema a criança debruçou-se e sussurrou

- Se deixares de chorar vou para o teu colo.

A mãe assentiu em silêncio, o filme a correr sem graça, passou a palma das mãos pelos olhos, num gesto pequeno, de outro tempo. O miúdo levantou-se do seu lugar, o seu corpo nas pernas da mãe. Um colo ao contrário.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

A minha amiga Leila e a Adriana Calcanhoto

Num email, emocionado, Leila relatou em pormenor o encontro com Adriana Calcanhoto.
O email tinha voz, riso e exclamações contínuas.
E ainda deslumbre, vergonha e timidez.
Eu li tudo e fiquei a cantarolar

...entre por essa porta agora, você tem meia hora para mudar a minha vida.

Adriana faz parte da banda sonora da minha vida com o meu marido.
Pode ser piroso escrever sobre isso com esta candura.
Se for, azarinho.
A piroseira deveria ser um culto quando se trata de amor.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O medo por Filipa Leal

O MEDO


Não tenho o hábito dos cafés, nunca tive,
mas aquele ficara-me de um livro de Al Berto.

Eu falava do medo, não do medo de Al Berto,
do meu, e a minha amiga dizia-me qualquer coisa
amiga. Falávamos de amor, e ela talvez me dissesse
para não ter medo do medo de Al Berto
nem do meu.

Confesso: de tudo o que me disse a minha amiga,
ficou-me apenas a palavra
granito.


Filipa Leal irá ler este seu poema hoje à noite no Teatro do Campo Alegre

terça-feira, 17 de junho de 2008

ao telefone

Cinquenta entrevistas ao telefone.
Novo projecto.
Uma correria.
Na casa de banho passo água na cara.
Transpiro.
Oiço cada palavra repetida:

- Então...

Cada expressão feita:

- É assim...

Cada maneirismo:

- Está a ver o que eu digo?

Estas expressões agridem-me ao fim do dia.
Acumulo cansaço.
Pergunto a mesma coisa várias vezes.
Por vezes surpreendo-me.
Há histórias que apetecem.
Há tons de voz que exasperam.
Mais um projecto.
Tudo feito ao telefone.
E o planeta a rodar, a rodar devagarinho.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

a mãe a casar a filha

Não é uma coisa sem importância, digam lá o que disserem.
Há tanto que ponderar.
Tanto para fazer.
Eu, sou só a mãe, mas não penso noutra coisa.
Eu até acordo de noite a pensar nisso.
A minha filha, coitada, dos nervos, parece alheada, não diz nada

- O que quiseres, mãe. Sim, mãe.

Até parece que o casamento é meu... talvez seja um bocadinho, afinal é uma mãe a usar a filha.

domingo, 15 de junho de 2008

o luxo de uma voz


Dela, diz Yo Yo Ma que a voz é cristalina, perfeita.
Digo eu, no silêncio da sua voz pequena, neste domingo de futebol, que Rosa Passos é um luxo, como ela tão bem canta numa canção.
E os meus sonhos vão com ela, cantando, como barcos carregados de música e palavras.
Há uma nostalgia em Rosa Passos que muitos confundem com tristeza.
Ela canta que tem de aprender a não ser só, ela canta os poetas mais tristes de sempre.
O novo disco chama-se, apropriadamente, romance, e é uma história de amor infalível.
For just a few lucky people.

sábado, 14 de junho de 2008

De Eduardo Coelho no Rio de Janeiro para Lisboa

SONETO INGLÊS N.o 2



Aceitar o castigo imerecido,
Não por fraqueza, mas por altivez.
No tormento mais fundo o teu gemido
Trocar num grito de ódio a quem o fez.
As delícias da carne e pensamento
Com que o instinto da espécie nos engana
Sobpor ao generoso sentimento
De uma afeição mais simplesmente humana.
Não tremer de esperança nem de espanto.
Nada pedir nem desejar senão
A coragem de ser um novo santo
Sem fé num mundo além do mundo. E então
Morrer sem uma lágrima, que a vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.

Manuel Bandeira

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Um homem na cidade


Agarro a madrugada
como se fosse uma criança,
uma roseira entrelaçada,
uma videira de esperança.
Tal qual o corpo da cidade
que manhã cedo ensaia a dança
de quem, por força da vontade,
de trabalhar nunca se cansa.
Vou pela rua desta lua
que no meu Tejo acendo cedo,
vou por Lisboa, maré nua
que desagua no Rossio.
Eu sou o homem da cidade
que manhã cedo acorda e canta,
e, por amar a liberdade,
com a cidade se levanta.
Vou pela estrada deslumbrada
da lua cheia de Lisboa
até que a lua apaixonada
cresce na vela da canoa.
Sou a gaivota que derrota
tudo o mau tempo no mar alto.
Eu sou o homem que transporta
a maré povo em sobressalto.
E quando agarro a madrugada,
colho a manhã como uma flor
à beira mágoa desfolhada,
um malmequer azul na cor,
o malmequer da liberdade
que bem me quer como ninguém,
o malmequer desta cidade
que me quer bem, que me quer bem.
Nas minhas mãos a madrugada
abriu a flor de Abril também,
a flor sem medo perfumada
com o aroma que o mar tem,
flor de Lisboa bem amada
que mal me quis, que me quer bem.


Letra: Ary dos Santos
Javier Tamames

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Dias curtos

Eram supostos ser três rounds na Versailles logo pela manhã: o primeiro encontro, o que implicaria o meu crescimento, deu-se com alguma facilidade e não perdi a compostura.
O segundo, com um amigo, foi divertido e produtivo, prova que a amizade não conhece fronteiras. O terceiro, pelas 11h30, com a única mulher desta história, foi desmarcado com o envio de um sms na véspera.
Pelo meio dia e meia já tinha subido ao Evareste e descido os Himalaias.
Às três da tarde decidi que chegava.
Há dias que acabam rápido.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

amanhã às onze da manhã

Amanhã pelas onze, em frente a um café na Versailles, tentarei ser uma senhora, calma, cordata, gentil, atenta, inteligente, sensível, bondosa, tranquila, divertida, bem disposta.
Pode ser que consiga. Se sim, se for capaz de manter o meu plano infalível, sem desesperar, terei então crescido. Estarei, em definitivo, no mundo dos crescidos. Oxalá. Ou não.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Para Eduardo Coelho no Rio de Janeiro


O último poema

Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Manuel Bandeira

segunda-feira, 9 de junho de 2008

girls talk

O meu filho mais velho queria ver o sexo e a cidade em filme. O meu filho mais velho tem doze anos, uma biblioteca de fazer corar alguns adultos que conheço, um feitio difícil e uma gargalhada que o faz atirar para trás a cabeça cheia de caracóis. O dia estava perdido, fomos ao cinema ver as meninas: carrie, charlotte, samantha, miranda. Sabendo eu que haveria sexo, mentiras, traições e outras coisas menos apropriadas a menores. Quando carrie desvenda o seu desgosto em frente a um espelho num previsível resort mexicano, pouca maquilhagem, zero glamour, olheiras e os quarenta anos a gritar que estão ali todos, o meu filho quase fez beicinho. Ele não sabe que eu vi. É melhor assim.
No fim, disse-me:

- Deve ser bom ter amigos assim.

O resto não teve o mesmo impacto.
Nada mau para uma conversa de meninas.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

o filme preferido

A grande frase do filme, An Affair to Remember, que já vi tantas vezes que esgotou a paciência de quem partilha o meu espaço, é:

- Winter must be cold for those who have no warm memories.

Neste filme tudo é perfeito. Tudo sem excepção. Como o amor.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

o corno do amante

Perplexo o meu amigo disse:

- Não entendo. Enganar-me com o marido? Como é que tal é possível?

Depois explicou que a razão da sua dor se chama Maria, como tantas, uma mulher cheia e risonha que o surpreende há três anos: bate-lhe à porta sem mistérios e tudo é bom, intenso e belo. O único problema é o marido. O mesmo que agora a deixou e ela, em vez de bater à porta do meu amigo, manda dizer que não quer nada, a relação acabou porque o marido a deixou e ela não vai conseguir sobreviver ao desgosto.

- Não entendo.

O meu amigo repete a mesma frase. A ver se a entende.

terça-feira, 3 de junho de 2008

o tempo

O tempo é um composto abstrato, difícil, permanente.
Há dias que apenas precisamos de sentir que estamos aqui para alguém.
Há outros dias em que corremos para não estar em sítio nenhum. Um dia tu disseste:

- Preciso de ser abraçado todos os dias.

Nao fazia sentido, então.
Agora faz.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Lá ao longe


Era uma festa de arromba em Paris.
Vestidos compridos, curtos, homens de laço, brilhos e cabelos ao alto.
Uma festa de glamour.
Fui vendo à distância a multidão a rir e a beber champagne.
De repente, o estilista entrou rodeado de mulheres altas e loiras, cinturas de vespa.
Não ouvi a sua voz, não senti o seu perfume, mas ele estava lá e eu vi-o.
O homem que redesenhou o nosso conceito de feminino.

domingo, 1 de junho de 2008

Walt Withman


…Carpe Diem, aproveita o dia. Não deixes que termine sem teres crescido um pouco, sem teres sido um pouco mais feliz, sem teres alimentado os teus sonhos. Não te deixes vencer pelo desalento. Não permitas que nada tire o direito de te expressares que é quase um dever. Não abandones o anseio de fazer da tua vida algo extraordinário… Não deixes de crer que as palavras, o riso e a poesia podem mudar o mundo… Somos seres, humanos, cheios de paixão. A vida é deserto e também oásis. Aniquila-nos, lastima-nos, converte-nos em protagonistas da nossa própria história… Mas não deixes nunca de sonhar, porque só através dos sonhos pode ser livre o homem. Não caias no pior erro, o silêncio. A maioria vive num silêncio espantoso. Não te resignes… Não atraiçoes as tuas crenças. Todos necessitamos de aceitação, mas não podemos remar contra nós mesmos. Isso transforma a vida num inferno. Desfruta o pânico que provoca ter a vida pela frente… Vive-a intensamente, sem mediocridades. Pensa que em ti está o futuro e em enfrentar a tua tarefa com orgulho, impulso e sem medo. Aprende de quem pode ensinar-te… Não permitas que a vida te passe por cima sem que a vivas…