Eduardo,
Escrevo-te agora porque estive o dia inteiro cheia de merda às costas. Desculpa o atraso. Mandei um sms à Maria Manuel e disse-lhe o quanto gosto dela, do seu corpo franzino, da forma como sorri quando ouve os filhos falar. Gosto dela apesar de ti, compreendes? Como tu nos morreste há um ano vou acumulando coisas para te contar. Pequenas histórias e fofocas que sei que gostavas; histórias sobre nós e os nossos. Aquele que deixou a outra; o outro que escreveu um livro que é uma desgraça, mas coitado, não se pode dizer; a artista que anda pelas ruas cada vez mais perdida; o artigo de jornal enfadonho daquele mais além...
Deves estar a sorrir agora. Adivinho-te daqui: tu a desceres uma rua do céu, com o jornal debaixo do braço, a pensar sabe-se lá no quê. Eras o meu tudólogo. Ainda és. Divides esse espaço na minha vida com o António. E isso lembra-me um jantar há muitos anos em Paris, quase vinte, vê lá, eu miúda e vocês a beber e a rir, a trocar referências, a explicar-me a vida em pedaços, loucura e razão. Era bom ouvir-vos.
Morreste há um ano. Há dias morreu o Charrua, o pintor das cores fortes.
Estamos cada vez mais sós aqui em baixo. Estás em boa companhia aí em cima?
Um beijo
P.S: não sei a origem desta foto, perdoem, mas é maravilhosa e o autor(a) que me perdoe a ignorância.