quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

antes do fim

Na Austrália já estão em 2009, já contaram as 12 badaladas e comeram o que os australianos costumam comer nestas coisas das festas, não faço ideia o que seja.
Logo, o Sebastião vestirá uma camisa e um colete novo que comprou com as suas poupanças. O Micas vestirá uma versão cool qualquer que inventará à última da hora, deixando os atacadores dos ténis por apertar. O meu marido desfilará no seu melhor fato, camisa branca, botões de punho. Jantaremos com amigos e família e teremos as doze passas na mão, à hora certa, para brindar com champagne.

Os doze desejos:

Ter saúde
Conseguir alguma paz
Sentir alegria
Viver em família
Estar com os amigos
Não stressar
Partilhar
Viajar
Sonhar
Ter algum dinheiro
Ter tempo para não fazer nada
Ser surpreendido pela positiva

O resto, seja o que for, será igualmente bem recebido se não for mau ou causador de infelicidade. Boas entradas, que como se sabe, é uma forma sexy de ver a vida.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

ao telefone

O Zé Luís riu-se, um riso pequeno, e depois disse:

- Gosto desta coisa de desejar boas entradas, é sexy.

Rimos os dois e falámos de textos e de prazos, coisas terríveis a anunciar o trabalho que se adivinha em 2009, no fim do telefonema, ele disse:

- Boas entradas, miúda.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Crónica: o mito do eterno retorno

. Pois é, vou candidatar-me com grande sacrifício pessoal. Sim, sim, não haja dúvida que a noção de serviço público implica uma nobreza de outros tempos. Felizmente ando na política deste jovem, vi muito, sei muito. Nem sempre fui um personagem consensual, é bem verdade, mas os portugueses sabem que estou cá para o melhor e, sobretudo, para o pior.
Nunca tive oportunidade de demonstrar a minha visão para o país em tempos de vacas gordas. Reconheço que foi mais fácil com os primeiros dinheiros da união europeia, mas onde isso já vai? Eu tenho ideias concretas para tornar este país mais, mais... bom, para tornar o país mais. Até era um bom slogan, não concordam?
Conheço bem os dossiers, seja o que for que queiram perguntar, façam o favor, tenho uma palavra a dizer. Sei de urbanismo, de cultura, de habitação social, de economia e, acima de tudo, sei como ninguém navegar nos meandros da política. Não é para todos, como sabem. É difícil. Vejam o caso da Câmara Municipal de Lisboa. É uma máquina complexa, intrincada, quase odiosa, posso dizer. Mas alguém tem de assumir esta dor de cabeça, alguém tem de pensar na cidade.
O túnel do Marques de Pombal, que eu mandei fazer - convém sempre sublinhar - é um caso paradigmático e reflecte a minha visão. É verdade que nem tudo correu pelo melhor, há questões e dúvidas, opções mal tomadas, equipas duvidosas. Eu sou humano, sou falível. O que posso prometer é ser mais, mais... Ser mais também era um bom slogan, não acham?
Ainda sou novo, sou de cá, sou lisboeta e português e ainda um cidadão do mundo (e nada de dizer que estou a citar o Dr. Soares, tenham dó, uma frase tão boa é de todos, não é exclusivo dos socialistas), apesar de ter horror a viajar de avião. Fui deputado, deputado europeu, secretário de estado, primeiro ministro... Por acidente, é verdade, mas fui primeiro ministro! Um dia, quem sabe?, seguirei os passos de Cavaco Silva e terei então herdado em pleno o legado político de Sá Carneiro. Serei mais, muito mais do que os meus inimigos me vaticinaram; muito mais do que os amigos sonharam. Terei o meu lugar na História de Portugal e isso, meus senhores, só a vós devo, caros eleitores. Bem hajam.

(crónica publicada no Semanário Económico de 26 de Dezembro de 2008)

studio 60 live on the sunset stip






Uma noite inteira a ver Harriet e Matt a lutar contra a ideia de serem um do outro; Danny a sobreviver à droga, Jordan a ser poderosa e maravilhosa como só ela; Cal a aceitar tudo com alguma calma; e todos os outros. Uma caixa inteira, 23 episódios extraordinários que farão o enorme favor de encher as próximas noites com riso e comoção de uma forma inteligente. Há quem veja a TVI. Não é o nosso caso.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Imaginar

Imagina que na luz branca da noite passas pelo jardim, ganhas coragem e atravessas o viaduto. Imagina que eu corro os metros que nos separam, fico perto do teu corpo, a balançar, e digo boa noite. Tens medo?

sábado, 27 de dezembro de 2008

Cata com dias de atraso

Caro Manuel
Escrevo-lhe da praça do Muro das Lamentações em Jerusalém. Perdoe-me. Não estarei para a Consoada. Agradeço-lhe o convite, sabe que sim, sei que não se esquece de mim. Devo ser uma espécie de sem-abrigo afectivo na sua vida, condição altamente recomendável para um viúvo e, sabendo que não desdenho as fatias paridas e o bacalhau com couves da nossa Cecília, a verdade é que fugi dessa coisa natalícia, artificial e luzente que não compreendo. Ou já não compreendo.
Tempos houve que saía de casa para ver as luzes na avenida, espreitar as decorações, o cheiro do frio de Dezembro, a conversa das prendas e toda a organização das festas. Fazia o presépio no primeiro domingo de Dezembro. Fazia-o com cuidado, comprava musgo na florista, desvendava cada figura guardada em papel de jornal, conseguia algumas diferenças na composição de ano para ano, mas coisa pouca.
Não tenho força para nada disso, descer à arrecadação, procurar os enfeites de natal e viver esse momento, julgo ter perdido o sentido da vida, de estar e ser com os outros. Respiro apenas, meu amigo. Respiro e o coração bate sem emoção. Isto não é vida. É outra coisa. Quando comecei a ver o carro carregado com as iluminações, as gruas e os homens a preparem o natal, percebi que não conseguiria ficar indiferente.
Como uma espécie de tortura, optei por viajar e escolhi, de todos os lugares do mundo, imagine, Israel. E agora aqui estou no lugar fundador de tudo, na estranheza desse princípio que está no nosso código genético, no nosso imaginário.
Está frio, sabe, que entra nos ossos. Talvez seja apenas a velhice. Digo-lhe que isto do frio é muito limitador. Ando pelas ruas a esfregar as mãos. Fiz o percurso dos tristes, desses turistas que surgem com guias a debitar informação, guarda-chuvas erguidos como uma placa sinalizadora de presença, americanos lamentavelmente ruidosos, nipónicos sem expressão, grupos de peregrinos italianos que murmuram orações enquanto fazem a Via Sacra.
Vou, sem destino, como uma sombra na perseguição dos outros. Tenho no quarto de hotel um guia, o melhor, o American Express; páginas repletas de informações sucintas, apenas o essencial. Ainda não o abri. Penso que não quero saber. A história, as religiões monoteístas, os monumentos. Nada disso me interessa.
Ando pelas ruas há dois dias. A velha cidade de Jerusalém é maior do que a China. Parece-me diferente todos os dias, como um mar atormentado que se transfigura num espelho de acalmia para depois voltar a uma certa fúria. Do bairro judeu ao árabe, a fronteira desenha-se na pedra, nos cheiros, na arrumação que se opõe ao caos de uma espécie de souk. Fascina-me esta divisão. A ordem e limpeza dos judeus são admiráveis e, talvez não me faça compreender como gostaria, caro Manuel, mas a verdade é que é um pouco assustador.
Passei há pouco o detector de metais para chegar aqui, ao Muro das Lamentações. Descobri ontem que estou contra a minha educação, as minhas raízes. Não sinto qualquer comoção no Santo Sepulcro. Devo ser um mau cristão. Sempre suspeitei ser um pobre cristão, indigno e fatalmente obtuso para os mistérios maiores. Aqui, no Muro, sento-me numa cadeira de plástico, no lado reservado aos homens, e consigo ouvir as mulheres do outro lado, mulheres que de pé se encostam ao muro e rezam alto, como uma cantilena, um choro triste e repetido. Deus abandonou-nos. Estamos sozinhos. Ele não está no muro, na igreja, na mesquita. Escapou-nos. Há quanto tempo? Desde sempre, parece-me.
Não o quero ofender, Manuel, sei da sua devoção. Perdoe este seu amigo. Li algures que nada mata mais do que a solidão, sobretudo se estamos mesmo sozinhos. Talvez esteja aquém da salvação, do entendimento, de uma ideia melhor. Terá Deus um propósito específico para mim? Sim, sei que devo acreditar na Sua bondade. Um dia talvez O reencontre.
Decidi agora que não lhe mandarei esta carta, meu amigo, vou deixá-la numa fresta do Muro das Lamentações, numa pequena reentrância entre pedras de outra memória, a sua carta e milhares de orações, pedidos, agradecimentos que só consigo imaginar com enorme esforço.
Desejo-lhe um Santo Natal.
Um abraço,
Eduardo

(conto publicado no suplemento de natal do jornal do Fundão)

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Crónica

São milhares de páginas. São quatro anos de coisas acumuladas num julgamento em que ninguém acredita. A tal cegueira da justiça. Olhe que eu sei do que falo. Sou um funcionário menor do tribunal, mas sei muito. Não vai acontecer nada de especial, posso garantir. Tanta expectativa e investigação e depois a montanha pariu um rato? Claro, claro, somos um país de brandos costumes, não é o que se diz? Esta coisa de terem prendido um banqueiro é só fogo de vista, sabe-se lá o que escondem com isto. Não, eu não acredito na justiça.
Faço o meu trabalho, transcrições atrás de transcrições. Consigo detectar imprecisões com mais justiça que os advogados ou procuradores. Tenho o ouvido treinado. Só pelo tom de voz consigo saber se uma pessoa é culpada, se está a mentir, se esconde alguma coisa. Consigo detectar o choro segundos antes dele acontecer. Entre um polígrafo e as minhas capacidades, confio em mim. Claro que não desvendo nada disto, para quê? A quem? A justiça neste país sofre de um excesso de hierarquia e de funcionalismo público no pior sentido. Vou andando por aqui e colecciono coisas. Um dia escreverei um livro. Será um escândalo ou talvez não. Uma coisa é certa, terá sangue, sexo e corrupção em quantidades tais que fará as delícias dos mais sedentos. Aquelas séries de televisão sobre os meandros da justiça estão noutra dimensão, não reflectem nada do que aqui se passa. Veja o caso Casa Pia, um caso que eu conheço bem. Não dava uma série de televisão, dava várias, mas simplificar tudo para o espectador seria uma tarefa impossível. Ninguém imagina. Quando tudo estiver terminado, acredito que não fará diferença. Todos os dias vejo casos novos de violência sexual. Chegam a tribunal como pães quentes acabados de tirar do forno. Nós já gozámos, é a dose diária a que temos direito. Por mais que se imagine, nunca se sabe exactamente o que é uma criança vítima de abusos até a ouvir falar sobre as suas experiências. Eu faço transcrições desses depoimentos. Tenho chorado muito. Já cheguei a vomitar. Acreditar na justiça? Nem por isso.

(Crónica publicada no Semanário Económico de 20 de Dezembro de 2008)

domingo, 21 de dezembro de 2008

meg ryan

- Take me to bed or leave me forever

Meg Ryan dixit in Top Gun.

sábado, 20 de dezembro de 2008

ainda doente

O miúdo perguntou:

- Ficas comigo para sempre?

- Sim.

- Para sempre de sempre?

- Sim, para sempre de sempre.

- Ainda bem.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

aquela dor

- Como é que se chama aquela dor que se tem na cabeça quando não se tem razão?

- É a consciência.

diálogo da série animada Os substitutos no Disney Channel.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

ronda de natal

Sms, prendas, sacos, garrafas de vinho, idas ao supermercado, ajustes na decoração da mesa, musgo para o presépio, velas e pão. Let the games begin.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Huck

O miúdo adormeceu a ouvir as aventuras de Huckleberry Finn. O meu cansaço desfez-se na leitura, podia ler mais duas horas, sem interrupções. Ler alto implica esvaziar a cabeça de outra coisa que não a história. Preciso tanto disso.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Crónica

Deus combinou encontrar-se comigo às três da tarde na Brasileira, junto à estátua do Senhor Pessoa, esse que o Governo não pretende engrandecer com potencialidades nacionais. Quando cheguei já tinha um croissant com doce de ovo pela metade e uma meia de leite salpicada de migalhas. Não soube dizer se estava bem ou mal disposto. Cumprimentou-me com um aceno de cabeça e percebi que deveria sentar-me.
Ficámos em silêncio por instantes até que encolheu os ombros a incentivar-me. Deus tinha aberto o expediente para me ouvir, não me fiz por isso rogado e, sem culpa ou pudor, desfiei o rosário das minhas misérias.
Apresentei-lhe os factos: o funcionamento do banco, os favores que prestou e a quem ao longo dos anos, os investimentos e a fraca perspectiva de sobrevivência face ao panorama actual, os clientes a retirar contas, outros a telefonar com insistências e perguntas impossíveis de responder. Deus foi comendo e abanando a cabeça em gestos divinos, decerto, mas que não almejei decifrar. Bebericou a meia de leite que disparava na atmosfera do Chiado um cheiro enjoativo que me revoltava, no estômago, o conteúdo parco do almoço já esquecido. Por fim, Deus disse:

- Vais então recorrer às verbas do Estado?

- Não tenho outra hipótese. O Primeiro Ministro disponibilizou as verbas, é preciso aproveitar.

- Sócrates, não é?

- Sim. Lá fora, noutros países, está a suceder o mesmo. Tal e qual.

- Mas isso pouco te importa, não é verdade? Tens de te salvar.

- Gostaria.

Deus pareceu meditar nesta questão da salvação e eu fiquei mais uma vez calado. Por fim, disse-me a meia voz que ia ver o que podia fazer por mim e acenou em despedida. Apressei-me a partir, largando um “boa tarde” que me pareceu um pouco desnecessário, mas educado.
Reparei que junto à montra do “Paris em Lisboa” estava um outro administrador de banco privado e que a subir a rua Garrett um Jaguar deixava um presidente de conselho de administração de uma outra instituição bancária. Senti-me menos só.
Deus era um homem ocupado esta tarde.

(crónica publicada no Semanário Económico a 13 de Dezembro de 2008)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Justo agora

É Adriana Calcanhoto a cantar e eu a perceber que a paz não faz sentido nem tem hipótese. O amor não basta. É preciso drama e guerrilha, incompreensão e acusação. O ser humano é uma merda. Justo agora e sempre.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Hoje

O meu tio avô faria hoje anos. Tenho três fotografias dele no atelier, ele zela por mim enquanto constrói a maquete do jardim de Moura. As fotos são de 1936. Já ninguém se lembra desta história, talvez a minha mãe. Hoje seria o seu dia. Será sempre.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

coisas pequenas

Ethan Hawke dixit
“We always think that the best moments of our lives are going to be these dramatic things, but really, sometimes, a nice breakfast with a good friend is the most fun you’ll ever have.”

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Crónica

O homem teve um sonho. Não era um sonho como o de Barack Obama, do Nelson Mandela ou, para quem tem memória dessas coisas, do Martin Luther King. Nada disso. O sonho do homem era resolver o problema do Partido Social Democrata. Acordou com essa decisão tomada, era urgente, crucial, cumprir-se um plano para Portugal. Alguém teria de o fazer. O sonho dizia-lhe que era ele e só ele. Não se tratava de eliminar a Manuel Ferreira Leite ou o Luís Filipe Menezes - isso seria praticar um lógica simplex do Primeiro Ministro e o nosso homem não tinha nenhuma intenção de seguir essa linha de pensamento. O projecto era maior do isso: reabilitar o PSD, torná-lo uma força, uma potência geradora de ideias. Não com ideias sexy, como parecem querer vender no Partido Socialista, mas sim com ideias fortes, passíveis de construir um futuro melhor e mais feliz.
Na sua sala de paredes laranja, com um busto de Sá Carneiro e outras alusões ao universo do partido, o homem começou a escrever uma lista de potenciais candidatos. Ao fim de pouco tempo, desistiu e optou por enumerar as características carismáticas de um futuro líder. Aquilo que deveria procurar dentro do partido, junto dos militantes com e sem quotas pagas, qualquer um servia.
Na sua folha branca principiou a lista de qualidades que com alguma facilidade podemos imaginar. Não querendo um líder como Obama ou um personagem demasiado economicista (o episódio Manuela Ferreira Leite ainda o atormentava), o homem decidiu ser pragmático, sem deixar de ser crédulo. Um líder de oposição de jeito, com potencialidades para governar o país a médio-longo prazo. Escreveu meia dúzia de palavras, meditou, coçou a cabeça, hesitou e, por fim, num acto de derrota, abandonou a caneta e amarrotou a folha. Percebeu que o sonho tinha terminado. Estava perante o vazio. Levantou-se, passou pelo busto de Sá Carneiro, e teve vergonha. Seguiu caminho sem o olhar, como um menino de castigo na escola.

Crónica publicada no Semanário Económico dia 6 de Dezembro de 2008

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Covilhã

Vou hoje à Covilhã falar do livro, No Silêncio de Deus.
É um café literário organizado por Manuel Silva Ramos.
Vou cedo, regressarei tarde, muito tarde.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Alçada


Era um jantar da revista Máxima, há muito tempo. António Alçada ficou ao meu lado. Deu-me uma série de sorrisos tristes, várias histórias engraçadas e uma gargalhada genuína. Ao lembrar os pormenores, ficou-me a saudade.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Eu não sou o Mexia

A minha ficção
O António Mexia andava atrás de mim pela casa a gritar: “Acenda as luzes, acenda as luzes! Preciso que gaste o seu dinheiro, caramba. Preciso de facturar!” Eu, espantada perante o assédio do presidente da EDP, julgava-me segura no sossego do lar, mas o homem, com fato e gravata da moda em tons de roxo, corria atrás de mim sem se despentear. O meu coração pulava descompassado. As minhas mãos iam apagando as luzes do corredor. António Mexia, na perseguição, voltava a ligar tudo, focos e focos de luz como num palco. O homem estava quase a alcançar-me e eu gritava por socorro, apagava as luzes e fugia, fugia como quem foge da morte. O corredor não tinha fim, António Mexia aproximava-se com um computador debaixo do braço e berrava garantindo-me que tenho de aderir às facturas enviadas por email, que era imperativo gastar mas, em simultâneo, salvar o planeta, aderir ao contador bi-horário e ainda sorrir e votar no partido socialista. Tudo ao mesmo tempo como uma refeição de restos. Continuei a fugir e a pensar no Sócrates e na necessidade de investimento público, na pouca fé da Manuela Ferreira Leite na democracia, no Mia Couto a dizer que se o Obama fosse africano não era preto, era mulato. Várias coisas ao mesmo tempo, como é próprio dos pesadelos. Acordei com o coração aos pulos e vi, uma última vez, o bem vestido e comportado António Mexia, presidente da EDP, a cantar: “we got the whole world in our hands, we got...”
Dois dias depois, um psiquiatra amigo, a rir, disse-me que eram os sonhos próprios da crise. Perguntou-me quanto gasto em electricidade e se estava a pensar em poupar. Respondi de forma evasiva, ainda tinha a imagem do António Mexia a correr atrás de mim. O meu amigo, sábio e conhecedor dos pequenos dramas do cérebro humano, acrescentou com pesar que também há professores que sonham com a ministra da Educação e que precisam de muita medicação para sobreviver a tanta mudança, avaliações e outras tantas limpezas. Para me confortar, pensei: “O Mexia sempre é mais giro”.
Uma vez em casa comecei a ver a quantidade de luzes acesas: na sala, nos quartos, na cozinha e numa série de aparelhos que piscam luzes vermelhas, verdes ou azuis. Desatei a refilar com os meus filhos, tão desprendidos da realidade e do cenário de crise mundial. O pesadelo deve ter reaparecido no meu inconsciente (esse sim, a precisar de bastante iluminação) e dei comigo a ralhar: “Apaguem as luzes, eu não sou o António Mexia!”.

(crónica publicada na edição do Semanário Económico de 29 de Novembro de 2008)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

chuva chuva

Não se aguenta o frio, a chuva e o vento. Ligo ao meu marido:

- Se formos para Veneza vamos encontrar as maiores cheias de sempre.

- Não vamos para Veneza.

Sexta feira vamos para o desconhecido e eu não adivinho onde é.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

o miúdo doente

O miúdo encolhido no sofá:

- Mimo... sei o que é, mas não tenho!

Depois a gargalhada, apesar da dor de garganta, o ataque de tosse e outro de beijos.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

domingo à tarde

No sofá, enrolada na manta, vi quatro filmes pela tarde.
Fiz maçãs assadas. Vi a chuva lá fora.