segunda-feira, 16 de março de 2009

domingo, 15 de março de 2009

Crónica: O nariz de Sócrates

Os miúdos estavam no desassossego habitual, a segunda circular entupida e eu a bufar ao volante. De repente, o mais novo larga às gargalhadas e aponta para o outdoor à direita. Enorme, temos o nosso Primeiro Ministro com nariz de Pinóquio, uma campanha dos jovenzinhos do PSD (esses, coitados, também não perceberam nada, pois não?) com a frase: vou criar 150 mil empregos. O miúdo mais velho riu-se e depois encolheu os ombros. Do alto dos seus 13 anos, disse:
- Coitado, o homem faz o que pode.
Fiquei a pensar naquilo ao mesmo tempo que me apeteceu mandar um jeitoso, um chico esperto de corsa, à merda por se me atravessar no caminho sem pisca, sem nada. O nariz do Sócrates a crescer como o do Pinóquio adapta-se bem a todos os políticos, não será? O que mais me impressionou foi o quase carinho do meu filho mais velho pelo primeiro ministro que faz o que pode. Expliquei-lhe que no próximo congresso do Partido Socialista, o Sócrates faz questão de convidar um ditador, Hugo Chavez. O mais novo começou a rir outra vez e largou a bomba do dia:
- Esse não é aquele muito gordo que diz que o Magalhães é muito bom, um computador pensado para as crianças e depois atirou-o ao chão para mostrar que não se partia?
- Onde é que tu viste isso?
- No youtube. Está tudo no youtube, mãe.
Já sei, mas não quero saber. E também quero ignorar que o nosso Primeiro Ministro tem orgasmos intelectuais com um ditador latino americano com pretensão para a retórica. Aproveito para ignorar outras maçadas, como os impostos, o custo das escolas, a renda da casa, o aumento do pão e a opção pragmática de comprar produtos linha branca no Lidl. Concentro-me no trânsito. Não vou passar dos 80 - olha os radares – concentro-me em qualquer outra coisa. Evito corsas e outros loucos do volante. O objectivo é esquecer o nariz do Sócrates e a barriga do Chavez. Vou comprar uma casa na fronteira, quando isto se afundar ganho uma bela vista para o mar.

(crónica publicada no Semanário Económico dia 14 de Março de 2009)

sábado, 14 de março de 2009

até às lágrimas



So tenderly
Your story is
Nothing more
Than what you see
Or
What you've done
Or will become
Standing strong
Do you belong
In your skin
Just wondering

Gentle now
The tender breeze
Blows
Whispers through
My Gran Torino
Whistling another
Tired song

Engine humms
And bitter dreams
Grow heart locked
In a Gran Torino
It beats
A lonely rhythm
All night long
It beats
A lonely rhythm
All night long
It beats
A lonely rhythm
All night long

Realign all
The stars
Above my head
Warning signs
Travel far
I drink instead
On my own
Oh,how I've known
The battle scars
And worn out beds

Gentle now
A tender breeze
Blows
Whispers through
A Gran Torino
Whistling another
Tired song

Engines humm
And bitter dreams
Grow
Heart locked
In a Gran Torino
It beats
A lonely rhythm
All night long

These streets
Are old
They shine
With the things
I've known
And breaks
Through
The trees
Their sparkling

Your world
Is nothing more
Than all
The tiny things
You've left
Behind

So tenderly
Your story is
Nothing more
Than what you see
Or
What you've done
Or will become
Standing strong
Do you belong
In your skin
Just wondering

Gentle now
A tender breeze
Blows
Whispers through
The Gran Torino
Whistling another
Tired song
Engines humm
And bitter dreams
Grow
A heart locked
In a Gran Torino
It beats
A lonely rhythm
All night long

May I be
So bold and stay
I need someone
To hold
That shudders
My skin
Their sparkling

Your world
Is nothing more
Than all
The tiny things
You've left
Behind

So realign
All the stars
Above my head
Warning signs
Travel far
I drink instead
On my own
Oh
How i've known
The battle scars
And worn out beds

Gentle now
A tender breeze
Blows
Whispers through
The Gran Torino
Whistling another
Tired song
Engines humm
And better dreams
Grow
Heart locked
In a Gran Torino
It beats
A lonely rhythm
All night long
It beats
A lonely rhythm
All night long
It beats
A lonely rhythm
All night long

music by Clint Eastwood

sexta-feira, 13 de março de 2009

quarta-feira, 11 de março de 2009

Novo livro de poemas de José Mário Silva

hipermetropia

Nas fotografias mais antigas

ainda uso óculos: memória

das lentes riscadas e paninhos

de flanela. Um dia as dioptrias

desapareceram («óptimo», disse

o oftalmologista) e fiquei a ver

melhor ao longe – mas não tão

longe que consiga alcançar, hoje,

o que via quando as hastes me

magoavam atrás das orelhas.


(José Mário Silva, Luz Indecisa, vai ser publicado em Abril na colecção de poesia da Oceanos)

terça-feira, 10 de março de 2009

do avesso

Estava escondido no silêncio da casa, barricado. Indiferente aos dias que faltam para a primavera, cheio de ideias ao avesso das que podem ser consideradas por alguém como normais. O próprio conceito, normal, tinha demonstrado recentemente que não se adaptava a ele e que, por isso só, seria marginalizado. O respeito que considerava adquirido perdeu-se como uma cheia de rio imprevista. Assim, ficou na casa, escondido, sem fazer barulho. A tentar não pensar. O avesso de tudo isso seria a vida em pleno, uma montanha russa de miudezas que cansam e pouco mais. Pensou nas pessoas que ama, as poucas que lhe são próximas, as que se mataram simbolicamente da sua vida por não serem capazes de ouvir nada ou ninguém. A casa transformou-se num deserto grande e largo. Teve, por instantes, medo e depois pena. Ficou nesse caldo o resto da manhã. À tarde faria, então, um esforço.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Soneto De Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente



Vinicius de Moraes

(nota para os menos optimistas: publiquei este poema não por estar infeliz e em vias de me separar, mas por ser muito bonito. Compreenderam agora? Boa)

domingo, 8 de março de 2009

domingo

Por razões de sanidade mental não tenho nada para vos dizer.

sábado, 7 de março de 2009

Isto vai de mal a pior

A crisezinha, sabe? Pois eu não percebo a confusão à volta da crise. Estamos em crise desde que me lembro. O que importa são outras coisas. Quer exemplos? Olhe, o futuro da segurança social, por exemplo. A vizinha tem a certeza de que vai ter reforma? Eu não tenho certeza de nada. Zero. O meu Manel fez umas coisas de poupança, umas coisas muito avançadas e seguras diz ele. Eu cá só me apetecia colocar o dinheirinho na Caixa Geral de Depósitos, mas qualquer dia não há lá nada, não é? Tanta ajuda a este a outro banco, de onde vem o dinheiro afinal? Eu não entendo nada, nunca entendi. A minha filha fez uma licenciatura numa universidade privada, esfolou-se a trabalhar e agora diz que precisa de fazer mestrado e depois doutoramento. Caso contrário não é ninguém. Diz ela que uma licenciatura é hoje o equivalente à quarta classe. Claro que ela é que sabe, estuda e lê muito, tem o computador e essas coisas, mas a gente fica a pensar não é? Com a idade dela, já eu tinha saído de casa há quase dez anos. Parece uma coisa incrível. Dizem que os filhos saem cada vez mais tarde de casa. Tomara. Coitados. Então, vão para onde? As casas têm uns preços ridículos, tudo custa para cima de uma fortuna. Mais vale ficarem em casa dos pais e das mães, sempre está tudo montado, máquinas e assim. O que custa montar uma casa, a vizinha já imaginou? No outro dia fiz contas por alto com a minha Isabel e, digo-lhe já, ou ela casa com um homem rico ou então vai viver aqui até o pai se reformar. E a reforma ainda deve ter de dar para pagar o tal doutoramento. Digo eu. Sabe o que lhe digo? Estou cansada de tudo isto. Não vejo melhoras. Cada vez que ligo a televisão e vejo o telejornal só tenho vontade de lhes chamar nomes. Políticos engravatados em carros com motorista. Quem paga aquilo tudo? Nós, com certeza. Este ano não vou votar. Nem que o Partido me obrigue. Essa coisa do comunismo também já não tem jeito nenhum. As saudades que eu tenho de uma boa sardinhada na Festa do Avante e do camarada Cunhal. Eram outros tempos. O meu Manel diz que vota no Bloco de Esquerda, mas eu nem pensar. O Louçã parece o padre lá da aldeia. Muita parra pouca uva, é o que é.
(crónica publicada no Semanário Económico de 7 de Março 2009)

sexta-feira, 6 de março de 2009

o ataque do mac

O meu mac decidiu meter férias. Não consigo ir a qualquer endereço que termine em com. Viva a PT! Acho que isto é uma conspiração do Sapo. Ou coisa que o valha. Assim, a minha ausência está justificada e, para cúmulo, só posso bloggar no computador do meu filho mais velho. Ao que está reduzida uma mãe.

quarta-feira, 4 de março de 2009

a letra P

Pedro Paulo Pereira Pinto, pequeno pintor Português, pintava
portas, paredes, portais. Porém, pediu para parar porque preferiu pintar
Panfletos. Partindo para Piracicaba, pintou prateleiras para poder
progredir. Posteriormente, partiu para Pirapora. Pernoitando, prosseguiu
para Paranavaí, pois pretendia praticar pinturas para pessoas pobres.
Porém, pouco praticou, porque Padre Paulo pediu para pintar panelas, porém posteriormente pintou pratos para poder pagar promessas. Pálido, porém personalizado, preferiu partir para Portugal para pedir permissão para papai para permanecer praticando pinturas, preferindo, portanto, Paris. Partindo para Paris, passou pelos Pirineus, pois pretendia pintá-los.
Pareciam plácidos, porém, pesaroso, percebeu penhascos pedregosos,
preferindo pintá-los parcialmente, pois perigosas pedras pareciam
precipitar-se, principalmente pelo Pico, porque pastores passavam pelas
picadas para pedirem pousada, provocando provavelmente pequenas
perfurações, pois, pelo passo percorriam, permanentemente, possantes
potrancas. Pisando Paris, pediu permissão para pintar palácios pomposos,
procurando pontos pitorescos, pois, para pintar pobreza, precisaria
percorrer pontos perigosos, pestilentos, perniciosos, preferindo Pedro
Paulo precaver-se. Profunda privação passou Pedro Paulo. Pensava poder
prosseguir pintando, porém, pretas previsões passavam pelo pensamento,
provocando profundos pesares, principalmente por pretender partir
prontamente para Portugal. Povo previdente! Pensava Pedro Paulo... -
Preciso partir para Portugal porque pedem para prestigiar patrícios,
pintando principais portos portugueses. Paris! Paris! Proferiu Pedro Paulo.
- Parto, porém penso pintá-la permanentemente, pois pretendo progredir.
Pisando Portugal, Pedro Paulo procurou pelos pais, porém Papai Procópio
partira para Província. Pedindo provisões, partiu prontamente, pois
precisava pedir permissão para Papai Procópio para prosseguir praticando
pinturas. Profundamente pálido, perfez percurso percorrido pelo pai.
Pedindo permissão, penetrou pelo portão principal. Porém, Papai Procópio
puxando-o pelo pescoço proferiu: - Pediste permissão para praticar pintura,
porém, praticando, pintas pior. Primo Pinduca pintou perfeitamente prima
Petúnia. Porque pintas porcarias? - Papai, - proferiu Pedro Paulo - pinto
porque permitistes, porém, preferindo, poderei procurar profissão própria
para poder provar perseverança, pois pretendo permanecer por Portugal.
Pegando Pedro Paulo pelo pulso, penetrou pelo patamar, procurando pelos
pertences, partiu prontamente, pois pretendia pôr Pedro Paulo para praticar
profissão perfeito: pedreiro! Passando pela ponte precisaram pescar para
poderem prosseguir peregrinando.. Primeiro, pegaram peixes pequenos, porém, passando pouco prazo, pegaram pacus, piaus, piabas, piaparas, pirarucus. Partiram pela picada próxima, pois pretendiam pernoitar pertinho, para procurar primo Péricles primeiro. Pisando por pedras pontudas, Papai Procópio procurou Péricles, primo próximo, pedreiro profissional perfeito. Poucas palavras proferiram, porém prometeu pagar pequena parcela para Péricles profissionalizar Pedro Paulo. Primeiramente Pedro Paulo pegava pedras, porém, Péricles pediu-lhe para pintar prédios, pois precisava pagar pintores práticos. Particularmente Pedro Paulo preferia pintar prédios. Pereceu pintando prédios para Péricles, pois precipitou-se pelas paredes pintadas. Pobre Pedro Paulo pereceu pintando... Permita-me, pois, pedir perdão pela paciência, pois pretendo parar para pensar... Para parar preciso pensar. Pensei. Portanto, pronto: Pararei!

(desconheço a autoria, mas daqui lhe tiro o chapéu)

terça-feira, 3 de março de 2009

Crónica: Portugal comprimido

Pareceu-lhe incrível que estivesse em plena consulta a citar uma entrevista que tinha acabado de ler na sala de espera. Uma sessão de 90 euros, para dizer apenas banalidades. Memorizava tudo o que lia nas revistas e depois debitava num arranjo floral de intenções e de trejeitos mais ou menos elegantes (que lhe pareciam mais ou menos elegantes). Deixava a cabeça ligeiramente inclinada para a esquerda como quem pede desculpa. Não era uma pose submissa, era apenas uma maneira de estar, de se fazer interessante. Tudo aquilo era uma forma de se transformar em alguém melhor: a consulta, o poder dizer que tinha um psicanalista, aquela hora roubada ao dia para se ouvir falar.
Era isso: ouvir-se falar.
Haverá certamente uma atitude terapêutica nessa enorme satisfação de ouvir alguém, mesmo alguém que debita uma vida inventada e copiada das revistas cor-de-rosa. Qual era o propósito de estar ali sentado a ouvi-la? Que resultados é que seriam de esperar? Lembrou-se dos cremes anti-celulíticos e esboçou um sorriso. Continuou a falar com aquele tom trágico, pensando que a psicanálise talvez tenha como objectivo eliminar 89% de casca de laranja, obtendo 67% de firmeza e elasticidade. Conseguia imaginar um anúncio, o consultório austero, quase sem mobília, um homem com óculos e, em letras vermelhas: “consulte-nos e perca esse peso a mais. A psicanálise ajuda”.
Algures lera que Portugal está, orgulhoso, no ranking dos países mais deprimidos. Os portugueses tomam comprimidos para acordar, para funcionar, para comer, para rir e chorar e, claro, para dormir. Ela não toma nada disso porque sabe que é meio espanhola, logo não será atingida pela depressão colectiva. Limita-se a ir ao psicanalista e sentir essa importância na sua vida social. Confere-lhe profundidade e dá-lhe mistério. Tem algum receio dos comprimidos. Uma vez experimentou uns comprimidos muito brancos, muito redondinhos e só teve vontade de chorar. Prefere inventar-se e contar mentiras. São uma espécie de vida.

(crónica publicada no Semanário Econónomico no dia 28 de Fevereiro de 2009)

segunda-feira, 2 de março de 2009

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Crónica Feminina Inês Pedrosa na edição de hoje do Expresso

O ataque dos respeitáveis

Fui católica durante tempo suficiente para saber que o catolicismo, quando genuíno, não distingue as pessoas segundo «estatutos», sejam eles de «respeitabilidade» ou de outra coisa. Pelo menos não foi essa a mensagem de Cristo, que nos recomendava a simplicidade e a compaixão, que perguntava se algum de nós tinha o direito de atirar uma pedra a quem quer que fosse, e que nos aconselhava a olhar para a trave que tapa os nossos próprios olhos em vez de nos arrogarmos o direito de tirar argueiros dos olhos alheios. Por isso estranhei estas palavras de Maria José Nogueira Pinto, no Diário de Notícias( 19.2 ): « Na busca de um estatuto de respeitabilidade, os homossexuais exigem um símbolo suficientemente forte para afastar os fantasmas da diferença, da discriminação implícita, de uma situação apenas consentida, do medo da homofobia, da suposição do desprezo, da condescendência hipócrita». Na minha candura, pensava eu que, hoje, e no mundo ocidental, as pessoas casavam por amor ou, na pior das hipóteses, na esperança ( ingénua, mas bonita) de que o compromisso assumido as ajudasse a manter vivo esse amor – e tenho pena desses seres, se é que eles existem, que casam para adquirir «um estatuto de respeitabilidade». Pobre estatuto. Tristes existências.
Os homossexuais portugueses que sonham com o casamento (conheço vários, alguns deles até já casados pela lei de outros países), desejam-no pelas mesmíssimas razões que os heterosexuais: antes de mais, porque se amam e querem celebrar publicamente um compromisso de vida em comum. Além disso, querem assumir os deveres e direitos que o casamento concede – e são importantes, esses deveres e direitos, designadamente no que se refere a propriedades, assistência na doença ou heranças. Todos sabemos de casos de famílias que desprezaram e abandonaram um dos seus filhos ( ou filhas) por causa da sua homossexualidade, e que, depois de morto o pecador, aparecem para lhe ficar com todas as posses – enquanto a pessoa que com ele partilhou a vida, os problemas do quotidiano e a doença fica espoliada de tudo, a começar pela casa que era morada do casal. É isto humano? É isto admissível, no século XXI? É isto cristão?
Aos veladores das aparências mais modernaços, preocupa-os sobretudo a palavra. A contaminação a que a palavra «casamento» seria sujeita, pelas «anormais» práticas sexuais das pessoas que se apaixonam por pessoas do mesmo sexo. Que D. José Saraiva Martins diga que as relações sexuais destas pessoas não são «normais» parece-me, embora tonto, normal. Um dos problemas da Igreja Católica é que os seus sacerdotes são supostos professar a mais absoluta ignorância em matéria de sexo – o que os torna naturalmente desabilitados para se pronunciarem sobre esse tema central da natureza humana. Eu, graças a Deus, não sei o que é «sexo normal». Lastimo, aliás, a excessiva «normalização» do sexo, que o deserotiza, transformando-o numa maratona entediante, em vez de um fulgurante caminho para os mistérios do conhecimento e do prazer. Se Deus quisesse que fôssemos asexuados e deserotizados não nos teria feito nascer, a todos, do acto sexual. E se Deus entendesse que o sexo serve apenas a reprodução não nos teria criado com sentimentos e com um sentido erótico da vida ( que se prende com o conhecimento da morte e que nos distingue dos restantes animais). Isto, claro, para quem acredita em Deus. Quem não acredita, limita-se a constatar a prodigiosa diversidade dos homens e das mulheres – e, no início do século XXI, tem obrigação de já não se incomodar com as decisões de cada um no que respeita à sua vida privada.
Entretanto, convém relembrar aos católicos menos cristãos e mais preocupados com o culto das aparências do que com a verdade dos corações, que já existe um outro nome para o casamento católico: chama-se «matrimónio sagrado». Relembrar-lhes também que, na sociedade laica em que vivemos, não lhes assiste o direito de privar ninguém do direito a casar, civilmente, com quem entender. E explicar-lhes que as demagogias comparativas com a poligamia ( já agora, porque não com a poliandria?) não colhem, pela simples razão de que não é esse o modelo da nossa civilização, que radica no direito à auto-determinação individual ( vulgo, liberdade), o que implica equidade nas relações humanas. Não está provado ( pelo contrário), que a poligamia nasça da livre escolha – que as mulheres em causa nunca tiveram. E isso faz toda a diferença.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

sair daqui

Ela já não estava a ouvir, sentia o suor a crescer nas axilas, no pescoço, a invadir a cova do ladrão. Tinha por junto 16 corações a latejar na garganta. Era urgente sair dali. Respirar. Sair do pânico e, sobretudo, disfarçar. Fez tudo isso com alguma sabedoria até que chegou ao carro e se afogou nela própria.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

ontem

MARCHA DE QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Carlos Lyra / Vinicius de Moraes

Acabou nosso carnaval, ninguém, ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações saudades e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se vê
Que nem se sorri, se beija e se abraça
E sai caminhando, dançando e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir, voltou a esperança
É o povo que dança, contente da vida feliz a cantar
Porque são tão tantas coisas azuis, há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver e brincar outros carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Bom domingo

Deve chegar. Bom domingo.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

do the thinking for us, for all of us



Ontem vimos o Casablanca. No sofá. Em família. Uma boa história é sempre eterna.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Crónica: Um homem do Norte

Aqui só entre nós, off the record como vocês dizem, a Manuela tem mesmo de se demitir e ir para casa tomar conta dos netos. Tem mais do que um neto, não tem? Não sei nada da vida dela. Nem quero. Só de a ver nos jornais me assusta. Julguei que era outro tipo de mulher e que, bem vistas as coisas, onde eu fui derrotado, ela sairia vencedora. Ela tão pragmática, dura, amiga de Cavaco Silva, enfim, com os chavões economicistas e, claro, de Lisboa ou dos arredores. Sim, sim, que eu não vinguei no PSD pela simples razão de ser do Norte. Isto de não ser de Lisboa tem muito que se lhe diga. O PSD é um partido de betinhos, fundado em Lisboa, com sede na Lapa, caramba.
Eu deveria ter entendido logo, mas o que querem? Fui ingénuo e acreditei. Atirei-me de um só fôlego e fiz o que consegui. Não fiz mais, é certo. Fiz o que consegui e já foi muito. Divirto-me muito a ver como a Manuela adoptou o nosso Pedro que se vai candidatar à Câmara Municipal de Lisboa. Fico mais feliz ainda com o facto da antiga Ministra das Finanças não ter conversa que chegue para o Primeiro Ministro. É que o Sócrates, está a ver, enquanto estiver calado, está muito bem e ele quer lá conversar com a Manuela. Conversar sobre o quê?
O PSD bateu no fundo. Numa sondagem recente o partido teve o pior e mais reles índice de popularidade dos últimos 15 anos. Antigamente, garanto-lhe, era um partido que era um trampolim com características quase olímpicas. Era quase uma coisa mística: uma pessoa filiava-se e depois era ver como tudo ascendia. Falo por mim. Agora? Agora o partido é como o Martim Moniz: temos de viver com ele, mas nunca será um sonho concretizado. Estou a usa o Martim Moniz como metáfora e, já se sabe, serei acusado de tendencioso, egoísta e nortenho ferrenho. Longe de mim nomear um espaço aqui no Norte. As metáforas só ficam bem a Lisboa.
Eu cá até gosto de ser egoísta. Deixei o partido à Manuela, devolvi o Pedro ao país e agora divirto-me a criticar e a pedir cabeças. Não, não quero ser presidente dos restos do PSD, Deus me livre, mas é muito bom invocar a liberdade de expressão e desancar nos betinhos. Esperto é o Sócrates que se mantém caladinho a ver a banda passar. O Martim Moniz é tão longe de São Bento que nem faz mossa.

(Crónica publicada no Semanário Económico a 19 de Fevereiro de 2009)

sábado, 21 de fevereiro de 2009

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Obrigada Teresa

Alfama

Quando Lisboa anoitece
como um veleiro sem velas
Alfama toda parece
Uma casa sem janelas
Aonde o povo arrefece

É numa água-furtada
No espaço roubado à mágoa
Que Alfama fica fechada
Em quatro paredes de água
Quatro paredes de pranto

Quatro muros de ansiedade
Que à noite fazem o canto
Que se acende na cidade
Fechada em seu desencanto
Alfama cheira a saudade

Alfama não cheira a fado
Cheira a povo, a solidão,
Cheira a silêncio magoado
Sabe a tristeza com pão
Alfama não cheira a fado
Mas não tem outra canção


José Carlos Ary dos Santos

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Dias assim

O meu marido levou sete anestesias no dentista, o Sebastião e o Micas cortaram o cabelo (finalmente), o meu irmão foi às urgências e tem uma carrada de exames para fazer, o meu pai ligou a dizer que a Jerónimo Martins começou por pagar, desde o início da empresa, subsídio de natal, há um texto da Graça Franco sobre isso, risquei o meu carro em dois sítios diferentes,fiz mal as contas de um orçamento, não tomei os comprimidos a horas, ando a mil. E ainda faltam umas horas até chegar ao fim. Irra.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

presunção

dormir seria uma terapia estranha. não me levantar para ir à casa de banho. ver a vida em minúsculas como nos poemas e livros do valter hugo mãe. espreitar os dedos no colchão em gestos tão invisíveis que não perturbariam a ordem das coisas. os filmes mudos e a preto e branco atrás das pálpebras dos meus olhos. seria apenas a bela adormecida.
que presunção.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Crónica: Um sítio como qualquer outro

O homem na recepção olhou para a senhora de idade e perguntou se sofria de alguma perturbação mental. A senhora considerou por momentos. Perturbação? Não, na verdade, acreditava que não. Tinha feito uma cirurgia – à vesícula – mas há mais de dez anos. Sofria de glaucoma, porém estava controlada. Não, assim de repente, a senhora podia assegurar que não sofria de perturbações mentais. Tomava comprimidos para a tensão arterial, mas tendo em conta a sua idade, enfim... Uma coisa natural. O homem da secretaria do hospital encolheu os ombros. A senhora não tinha queixas. Nem documentos, telemóvel, família.
O homem sentado atrás do balcão de atendimento permanente estava treinado, sabia lidar com pessoas de índole variada. Tinha paciência, era diligente. Não se considerava especialmente bom, era apenas eficaz e não compreendia o que deveria fazer com a senhora de idade que estava, ansiosa, a olhá-lo por detrás de uns óculos de massa infinitos. Então, a senhora suspirou, debruçou-se, quase ligeira, sobre o balcão e, mais perto do homem do que seria aceitável, disse-lhe que queria ser admitida no hospital por qualquer razão. O que ele entendesse ser melhor. O que lhe permitisse passar ali mais tempo. Não se importava de fazer exames, mesmo evasivos invasivos. Só não queria ir para casa. O homem tentou, pela enésima vez, explicar que o sistema hospitalar não funcionava assim, havia regras e procedimentos. Uma urgência, afinal, serve para atender casos urgentes. Era a quarta vez que dizia aquela frase.
A senhora voltou à sucessão de suspiros. O homem perguntou pela existência de um filho, irmão, primo, sobrinho, afilhado, vizinho. A senhora foi abanando a cabeça. Cansado, o homem decidiu sair do seu cubículo burocrático e convidou a senhora a ir à na cafetaria. Antes, com um aceno de cabeça, pediu à colega para o substituir. A senhora fazia-lhe lembrar alguém, uma professora da escola primária, uma professora com paciência para a sua dislexia.
Levou gentilmente a senhora até à cafetaria. Perguntou se um chá seria adequado. Ela acenou e sentou-se numa das mesas junto à janela. O homem colocou-se na fila a pensar no problema da senhora, na melhor forma de o resolver. Teria de falar com o chefe, estava visto. Foi reunindo uma bandeja, guardanapos, pacotes de açúcar, uma colher de plástico. Quando chegou a sua vez pediu o chá e um pastel de nata. Pagou e recebeu o troco sem conferir. Quando regressou à mesa a senhora estava morta.
Tinha ido ao hospital para morrer.

(crónica pública no Semanário Económico de 14 de Fevereiro de 2009)

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Todos os dias


Há uma instalação de post-its cor-de-rosa na casa de banho. Nem todos são sobre amor, mas a maioria é. Não sobreviverão à humidade. Serão guardados e lembrados. Para o ano há mais.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O melhor de Luís Represas logo à noite no Campo Grande

Se ela pressentisse
O olhar que me devolve
As ânsias sem idade
Os olhares ao espelho sem piedade
A verdade foge trémula e sem serenidade

Se ele sentisse
Só por uma vez
Que paro quando fala
Que rio quando olha
E coro quando é para mim
E quero que me agarre

Ela nem imagina
Ele nunca me vai ver
Volto a cruzar-me com ela
Fingindo não o ver
E por isso nunca
Ele nunca vai saber
O quanto eu te quero

Ela vai rir-se quando lhe contar
Que um dia quis dar-lhe o mundo
Mas não a soube chamar
O seu cheiro passa solto
E leve como o ar

Ele vai ter um sonho por guardar
O tempo não tem escolha
E a alma passou longe
Adeus! Será que é Adeus?
Eu não te perco mais

Ela nem imagina
Ele nunca me vai ver
Volto a cruzar-me com ela
Fingindo não o ver
E por isso nunca
Ele nunca vai saber
O quanto eu te quero

Se ela pressentisse
O olhar que me devolve
As ânsias sem idade
Os olhares ao espelho sem piedade
A verdade foge trémula e sem serenidade

Se ele sentisse
Só por uma vez
Que paro quando fala
Que rio quando olha
E coro quando é p'ra mim
E quero que me agarre

Ela nem imagina
Ele nunca me vai ver
Volto a cruzar-me com ela
Fingindo não o ver
E por isso nunca
Ele nunca vai saber
O quanto eu te quero

Ela nem imagina
Ele nunca me vai ver
Volto a cruzar-me com ela
Fingindo não o ver
E por isso nunca
Ele nunca vai saber
O quanto eu te quero


(Letra de Margarida Pinto Correia; Música Luís Represas; Dueto com Simone)

Luís Represas hoje

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhas de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dize-lo cantando a toda a gente!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

o inferno

O inferno transformou-se, de repente, naquela frase.
Eu já a tinha dito e não havia nada a fazer. Era assim como a Meg Ryan no When Harry met Sally (mas só a Margarida é que se vai lembrar). It's already out there.
Eu disse:

- Eu achei que tu eras gay.

Depois morri. Claro. Ele tem apenas um lado feminino.
Ainda bem que o tem. Disse-lho várias vezes. Ele foi gentil e sorriu.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

O nosso primeiro beijo

O meu marido era meu amigo. Não havia ainda essa legitimidade do amor anunciado e depois formal, números coincidentes, ligações, moradas, impostos.
Chovia muito naquele dia. Tínhamos almoçado risotto de legumes num restaurante junto ao rio. As horas perderam-se sem saberem.
Quando corremos infantis na direcção dos carros, a chuva inundava os nossos passos. Ele pediu: “Entra no meu carro. Tenho uma canção para ouvires”. Era “A Case of You” de Joni Mitchell, escrita um ano depois de eu ter nascido.

(...)Oh you are in my blood like holy wine
And you taste so bitter but you taste so sweet
Oh I could drink a case of you
I could drink a case of you darling
Still Id be on my feet
And still be on my feet (...)


Ouvimos em silêncio. Os vidros cobertos de lágrimas de chuva. A música a apertar a minha garganta, o embaciar dos olhos.
No fim, no silêncio de tudo, desfiz-me: “O que eu precisava era de um bom beijo”.
Gentil, com as duas mãos, o meu futuro marido pegou-me no rosto e deu-me o nosso primeiro beijo.

(texto publicado na Time Out na edição de hoje)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Painted from memory

http://www.youtube.com/watch?v=LqIbn6bVK1U

Such a picture of loveliness
Didn't you notice the difference?
Doesn't it look like she could speak?
Those eyes I try to capture
They are lost to me forever
They smile for someone else
Funny, how looks can be deceiving
But she's not easily painted from memory
You'd think that I would know by now
Those eyes I try to capture
They are lost to me forever
They smile for someone else
And so this had to be painted from memory
She is gone and I must accept it
She is lost to me now
But I can't look away just yet though
She smiles for someone else
And so this had to be painted from memory
Funny, now I can see how looks can be deceiving

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Caladinho que nem um rato

Está tudo maluco. Tudo. O único que está sóbrio aqui sou eu. Esta é a reunião de pais mais disparatada a que assisti. Então, vocês ainda não compreenderam que os miúdos têm o primeiro contacto com o sexo através da internet? Ainda não fizeram nada, mas já viram tudo. Acham mesmo que controlam os vossos filhos e o tempo que estão a navegar? São de uma ingenuidade que faz doer, ficam a saber. Os miúdos sabem tudo e não têm pudor em partilhar uns com os outros. Em que mundo é que vivem? Se vocês enquanto pais querem viver na ilusão de que os filhos são vossos e não são do mundo, pois façam o favor, mas não se queixem mais tarde. Sobretudo não se queixem a mim. Sou apenas o professor e nem sei por quanto tempo. Tempo é uma coisa que vocês não têm, pois não? Chegam a casa às sete, os miúdos estiveram no atelier de tempos livros, com a empregada, na melhor das hipóteses com os avós. Eles já viram lésbicas e esquemas de mentiras nas séries de televisão ao fim da tarde, já viram uma dançarina de um clube de strip a ser estrangulada numa série americana e andaram no msn a dizer mentiras uns aos outros. Mas como já têm os trabalhos feitos, se os tiverem, e o banho tomado que diferença faz se não houve quem os filtrasse dos males do mundo? Não que seja a favor da censura, não sou. Os miúdos não podem viver em cápsulas protectoras, isentos da maldade que para aí há. O que eles precisam é que os pais sejam GPS eficazes e modernos, que lhes mostrem caminhos principais e secundários, mas que estejam presentes. E estar presente não é estar ao telemóvel, a ver o telejornal ou telenovela, a jogar playstation ou na net. Podia dizer-vos tudo e ficavam siderados, estrangeiros dos vossos filhos, amputados desse sonho cor-de-rosa que criaram nos filmes da vossa infância. Os vossos filhos não viram o feiticeiro de Oz, caramba. Acordem. Os miúdos têm 13 anos e já sabem o que é um orgasmo múltiplo. Não acreditam? Pois não, por isso é que eu estou aqui a assistir a tudo com esta calma e caladinho que nem um rato.

(Crónica publicada no semanário económico a 7 de Fevereiro de 2009)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

faltam dois minutos

Faltam dois minutos para sairmos de casa rumo ao Porto. O miúdo mais novo toca piano. O meu marido passa creme nas mãos. O mais velho está a fingir de morto no sofá. As gatas já perceberam que vamos sair. São oito da manhã. Ninguém merece.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

o sacríficio dos filhos


Ela foi-se esconder no cinema num filme lamechas. Salvavam-se os actores, Dustin Hoffman e Emma Thompson.
Os filhos aguentaram a coisa até ao fim.
Ganharam uns pontos extra no início do fim de semana.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

In the mood for love

www.youtube.com/watch?v=kXqAcmDtEXc

Oração

Senhor
Não me ajudes hoje
Deixa-me só e triste
Dá-me só o amanhã
A certeza da Tua mão
A voz que chegará a mim

Senhor
Não me ajudes hoje
Não Te digo nada
Não apresento queixas
Amanhã saberás apagá-las e apaziguar-me
Com os outros
Comigo
Contigo

Senhor
Dá-me hoje apenas o teu colo
Sem perguntas nem certezas
Um colo apenas
Um ventre protegido das coisas que batalham
Em mim
De mim
Por mim

Senhor
No teu colo serei egoísta e centrada
Na minha dor de hoje
Amanhã, Senhor
O teu amor terá o poder apagar a dor
E voltarei ao meu caminho

Senhor
Hoje o teu colo
Apenas isso

Amanhã serei melhor

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Queen of the supermarket

www.youtube.com/watch?v=g56ICHwWkno

There's a wonderful world where all you desire
And everything you've longed for is at your fingertips
Where the bittersweet taste of life is at your lips
Where aisles and aisles of dreams await you
And the cool promise of ecstasy fills the air
At the end of each working day she's waiting there

I'm in love with the Queen of the Supermarket
As the evening sky turns blue
A dream awaits in aisle number two

With my shopping cart I move through the heart
Of a sea of fools so blissfully unaware
That they're in the presence of something wonderful and rare
The way she moves behind the counter
Beneath her white apron her secret remains hers
As she bags the groceries her eyes so bored
And sure she's unobserved

I'm in love with the Queen of the Supermarket
There's nothing I can say
Each night I take my groceries and I drift away
And I drift away

Guidance from the gods above
At night I pray for the strength to tell her
When I love I love I love I love her so
Take my place in the check-out line
For one moment her eyes meet mine
I'm lifted up, lifted up, lifted up, lifted up

I'm in love with the Queen of the Supermarket
Though her company cap covers her hair
Nothing can hide the beauty waiting there
The beauty waiting there

I'm in love with the Queen of the Supermarket
I'm in love with the Queen of the Supermarket

As I lift my groceries in to my car
I turn back for a moment and catch a smile
That blows this whole fucking place apart

I'm in love with the Queen of the Supermarket

(Bruce Springsteen is back!)

Carta para Inês

Princesa

Aí no calor de ananases onde estás decerto que a chuva de Lisboa não te deprime. Eu fico cinzenta. Pareço uma nuvem, uma ameaça. Imagino-te no Leblon, subindo a Prudente de Morais, entrando na Travessa, depenicando aquelas coisas maravilhosas que abundam pelas estantes, capas de livros, contracapas, um mundo de histórias.
Oiço-te a rir nos jantares com poetas e outros amigos e ainda me pergunto se tiveste tempo, se foste às compras, se tens um vestido novo. Coisas pequenas
Escrevo-te assim porque tenho saudades tuas, do teu número a piscar no meu telemóvel. Uma coisa um bocadinho lamechas, mas o que queres? Está a chover em Lisboa e eu fico assim.
Um beijo

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Both sides now

Rows and floes of angel hair
And ice cream castles in the air
And feather canyons evrywhere
Ive looked at clouds that way

But now they only block the sun
They rain and snow on evryone
So many things I would have done
But clouds got in my way
Ive looked at clouds from both sides now
From up and down, and still somehow
Its cloud illusions I recall
I really dont know clouds at all

Moons and junes and ferris wheels
The dizzy dancing way you feel
As evry fairy tale comes real
Ive looked at love that way

But now its just another show
You leave em laughing when you go
And if you care, dont let them know
Dont give yourself away

Ive looked at love from both sides now
From give and take, and still somehow
Its loves illusions I recall
I really dont know love at all

Tears and fears and feeling proud
To say I love you right out loud
Dreams and schemes and circus crowds
Ive looked at life that way

But now old friends are acting strange
They shake their heads, they say Ive changed
Well somethings lost, but somethings gained
In living evry day

Ive looked at life from both sides now
From win and lose and still somehow
Its lifes illusions I recall
I really dont know life at all
Ive looked at life from both sides now
From up and down, and still somehow
Its lifes illusions I recall
I really dont know life at all

Joni Mitchell

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Carlos Drummond de Andrade

Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Daquilo que eu sei

Daquilo que eu sei
Nem tudo me deu clareza
Nem tudo foi permitido
Nem tudo me deu certeza...

Daquilo que eu sei
Nem tudo foi proibido
Nem tudo me foi possível
Nem tudo foi concebido...

Não fechei os olhos
Não tapei os ouvidos
Cheirei, toquei, provei
Ah Eu!
Usei todos os sentidos
Só não lavei as mãos
E é por isso que eu me sinto
Cada vez mais limpo
Cada vez mais limpo
Cada vez mais limpo

Ivan Lins

domingo, 1 de fevereiro de 2009

sábado, 31 de janeiro de 2009

Crónica: o sétimo despudor

Dizem que a comunicação social está em crise. Gradualmente, accionistas angolanos rondam os baluartes da nossa sofrida democracia, milionários que perderam muito dinheiro na banca e na bolsa. Em nome do negócio, os jornais portugueses estão prontos a prostituir-se. Quem paga mais? E se for o senhor do petróleo e dos diamantes? Teremos qualquer dificuldade em aceitá-lo no conselho de administração, apesar de ser contra a liberdade de expressão, a riqueza generalizada e a justiça social? Porque não? Afinal, o que se passa na terrinha do futuro accionista, mala louis vuitton e relógio dourado a condizer, é indiferente à nossa realidade. Está longe, tão longe que não faz mossa.
Tudo isto é que eu deveria dizer hoje na reunião, mas só de pensar que o meu emprego é tão precário como o dos outros, prefiro o silêncio eloquente de quem “come e cala”. Ali ao lado, no outro grupo de media, são mais cem que irão para a rua num despedimento colectivo cujos contornos de desgraça posso apenas imaginar.
Perdoem-me, mas serei um delegado sindical como todos os outros: muita conversa, tentativa e depois negociação. Ameaçar não serve de nada, não tenho com que ameaçar. Vou dizer o quê? Se não aceitarem as nossas condições faremos greve? Numa redacção com tanta gente o jornal aparecia na mesma, estou certo. Nem que fosse preciso recorrer às agências de notícias e outras coisas que para aí há.
Temos de ser compreensivos. O patrão perdeu dinheiro. O patrão investiu mal. O patrão viveu na ilusão, a tal ilusão que não ilude o Presidente da República, ele que é um homem sério e estruturado na verdade das coisas. Nuas e cruas. Nada de ostentação ou de sonho. Tudo isso pode levar – leva, fatalmente – a rescisões amigáveis (ou nem por isso) e à aceitação de accionistas menos... Como dizer sem ir parar a uma lista negra qualquer? Bom, accionistas menos nacionais, mais tropicais. Que importa que esses accionistas sejam o contrário do que a comunicação social deveria ser? Ah, balelas em pleno século XXI não ficam bem. A democracia é isso, podermos ter como sócios quem quisermos, mesmo que sejam o exemplo máximo do Mal que um dia combatemos. A memória é tão curta e, no fim de contas, a crise deve ser um bom negócio. O patrão irá ganhar novamente. Investir e, depois sem resistir a uma tentação, o patrão irá iludir-se. E tudo volta a ser como dantes. Ou não.

(Crónica publicada no semanário económico de 31 janeiro de 2009

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

4 mulheres noutro carro e um espião

As avenidas vazias e sem semáforos de Brasília mantêm-nos a 60km à hora. São 3 e 20 da manhã cá, duas horas mais tarde em Lisboa. As 4 mulheres dentro do carro, conduzidas por um homem calado, falam e riem e dizem e desdizem. Há ameaça de morte, "bradação" para o Senhor e outras coisas que brasileiro soam muito melhor.
De repente, a mulher sentada no lugar da frente encara o condutor e grita:

- Virgem Maria! E você está aqui te espião.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

desliga tu, por favor

O miúdo, ao telefone, do outro lado do imenso e saudoso atlântico diz-me:

- Mãe, tenho que te dizer uma coisa. Eu não gosto de ser eu a desligar o telefone. Desliga tu, por favor.

O meu coração partiu-se e desliguei.

Carta para ti

Meu amor
Aqui são cinco da manhã. Faz calor lá fora. Não vi ainda o céu mítico e azul de Brasília. Há um oleado cinzento de tristeza que cheira a saudade. Hoje a Adriana Calcanhoto cantou as nossas músicas todas e eu senti que as lágrimas seriam maiores do que o lago artificial que Lúcio Costa imaginou para este fim de mundo. As pessoas são gentis. São carinhosas. Há qualquer coisa de nos prende, a espontaneidade, a coisa física do toque. Vou coleccionado histórias para te contar. A do maestro, meio zonzo, às escuras no quarto que se despe e julgando entrar na casa de banho sai para o corredor do hotel e a porta do quarto se fecha. A do advogado que salvou duas mulheres que mataram os maridos (uma delas matou o desgraçado com sete machadadas). A da ex que fica rindo do ex e da actual. A das filhas menores que pregam partidas e ficam "inventando rolos". A da cocaína brasileira que é de menor qualidade por razões insuspeitas, embora cientificamente comprovadas (olha o advérbio de modo!). A do escritor que "deu" para todas e mais umas e descobriu que, afinal, o sexo não tinha o menor prazer. Prazer era apenas e só a sedução. A do vice presidente que esteve 17 horas na sala de operações e de todas as conspirações políticas para o substituir. A do homem que, depois de 18 anos de casamento, se divorciou e decidiu tirar um curso de massagens de dois anos com o objectivo único de dar prazer às mulheres. Da Inês que respondeu brilhantemente a tudo, mesmo às nove da manhã a jornalistas que não devem nada à cultura. Do silêncio do quarto e da falta enorme que me fazes.
Vou tomar um comprimido para dormir e esperar acordar depois do meio dia. Irei, de seguida, comer um "misto quente" e um "suco" de abacaxi com hortelã. E o programa continua. The show must go on, não é? É o que dizem.
Beijos de amor

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O infeliz

O infeliz conduzia as quatro mulheres.
Tinha sido uma noite animada que agora terminava naquilo: quatro mulheres massacrando o infeliz do lado do Lago, fora do plano piloto da cidade, na zona das vivendas grã finas de Brasília. O homem conduzia nas avenidas vazias.
O telemóvel tocou e as quatro mulheres desataram a rir e a inventar uma história.
O infeliz não atendeu a chamada e foi abanando a cabeça. No fim, já no hotel, disse:

- Agora eu vou em silêncio até ao elevador e não falamos mais. Pode ser?

Pode.
Amanhã há mais.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Crónica: Isso agora não interessa nada

A cultura é muito complexa. Não tenham dúvida sobre isto. Não basta ter dinheiro. É preciso ter pessoas, as pessoas certas, os especialistas que nos aconselham. Ouvi-los. Ouvir é simpático. Pagar-lhes, ouvi-los, segui-los – deste modo, no futuro imediato, não irão para os jornais dizer mal de nós, do nosso gabinete, das nossas pobres ideias. O ideal na cultura é contratar meia dúzia de iluminados e deixá-los ter várias ideias para podermos dizer que são nossas. Ideias que se transformam em vários milagres de euros de que os mesmos especialistas precisam para pensar, teorizar, para fazer performances e exposições extraordinárias que não são para o povinho, mas enfim, quem quer dar cultura ao povinho? O povinho tem a cultura do centro comercial, tem as festas da cidade e o reveillon no terreiro do paço, tem o futebol aos domingos no estádio e todos os dias na televisão. O povinho quer lá saber da cultura. Sobretudo a dos especialistas, tão conceptual e profunda, tão cheia de si e de mais cinco que são os amigos que os especialistas têm. Contratei-os com a mesma legitimidade dos meus antecessores. Aprendi com Frank Sinatra: o que faz uma grande estrela é cantar sempre a mesma coisa. Eu fui buscar os mesmos especialistas. Torna tudo mais fácil. E a comunicação social já os conhece, sabe quem são, têm créditos no mercado, para quê pensar eu, pobre de mim, em ideias inovadoras? Não há nada que seja original, até eu sei esta citação, julgo que de uma autora francesa qualquer. Como diz a Teresa Guilherme, isso agora não interessa nada. Tenho as propostas sábias e milionárias, sei o que dizer graças a esta assessora nova, discreta, com a qual ainda não embirrei e o ano começa bem. Muito bem. A cultura afinal não pode ser mais difícil que a educação. Claro que para educar é preciso cultura. Ou será ao contrário? O melhor será escovar o cabelo para irrigar o cérebro e rezar para que não me façam perguntas difíceis e para que me reconheçam, já agora. É terrível para a auto estima ser-se confundida, sobretudo quando se dá tudo pela Administração Pública.

(Crónica publicada no Semanário Económico de 24 de Janeiro de 200))

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Maria Stuart

"Mais fácil fora que se acomodassem a água e o fogo,
que amorosamente cordeiro e tigre se beijassem...
entre nós as duas não haverá conciliação que valha"
Maria Stuart, rainha da Escócia

Uma peça de Schiller com tradução de Manuel Bandeira, interpretada por Julia Lemmertz e Clarice Niskier e um elenco de 13 actores maravilhosos. Três horas de peça no centro cultural do banco do Brasil, uma experiência única. Invejável.
No fim da peça, depois do jantar no hotel, os actores "bancaram esgoto" na porta do hotel para fumar e beber vinho. A conversa não tinha fim e o céu estranho da cidade se encheu de uma gargalhada luso-brasileira onde todos fomos, somos, apenas pessoas com histórias para contar. Apesar de tudo, há dias felizes.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Normal

A menina mexia nas unhas pintadas de verniz brilhante.
Tinha estendido a palma da mão para indicar a idade.
Ela quis saber se eu falava espanhol. Perguntei:

- E tu? Falas espanhol?

E ela riu-se e encolheu-se num jeito mais de menina ainda e respondeu:

- Eu falo normal.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Brasília

Brasília, como a Figueira da Foz, é um décor.
Um misto de alentejo com ficção científica.
Chovia ontem sem dó.
Sobre a nova ponte sobre o lago artificial, Niemeyer terá dito recentemente:

- Muita ponte para pouco lago.

Até pode ser que sim, mas a verdade é que a ponte é um dragão iluminado que apenas perturba um pouco mais o cenário e tudo isso é de uma beleza estranha e perturbadora. Brasília é o anti-Brasil, sem qualquer dúvida. O projecto de cidade fará 50 anos, apenas isso, daqui a três. É um outro planeta no nosso planeta.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Byblos

Dois homens do lixo empurravam diligentemente os seus carrinhos pela rua, ali perto das Amoreiras. Junto à montra da Byblos, decidiram partilhar um cigarro.
- Estes fecharam.
- Ah sim?
- Li para aí num jornal que alguém deitou fora.
- E fechou porquê?
- Por falta de verbas.
- Então, mas o dono não era rico?
- Isso não sei. Parece que o investimento foi muito grande.
- Pois, quem tudo quer, tudo perde.
- É uma livraria.
- Sim, e quem tem tempo para livros?
- Eu não.
- Eu também não.
- Aqui na montra havia uma espécie de computador, para encomendar livros e ver o que os que tinham.
- Muito à frente.
- E olha que a loja era muito grande, até tinha um restaurante lá em cima.
- E as pessoas que trabalhavam aqui?
- Foram para o olho da rua.
- Pois, e têm fundo de desemprego? O meu cunhado viu a empresa falir e ficou sem um tostão, o patrão nunca tinha pago nada à Segurança Social.
- Deve ser da crise.
- Qual crise? Eu desde que me lembro que oiço falar da crise. E já tenho 44 anos.
- Mas agora está pior. Tu não vês os jornais? Os bancos a precisar de dinheiro do Estado, a economia na Alemanha que anda mal... Até os Estados Unidos. Tiveram esta reviravolta com o Obama, mas o homem não vai fazer milagres de um dia para o outro.
- Eu cá acho que o vão matar.
- Achas?
- É cá uma ideia que eu tenho.
- Pode ser.
- É por isso que é importante saber quem é o vice presidente.
- Esse não sei quem é.
- É um branco, já entradote, Joe qualquer coisa. Já tinha tentado candidatar-se a presidente e não teve sorte.
- Hum. A América fica longe.
- Muito longe.
- Ainda bem.
- Porquê?
- Porque já temos problemas que cheguem. E os americanos são muitos.
Os dois homens continuaram rumo ao Largo do Rato. Os carrinhos a hesitar pela calçada, gemendo levemente. Fazia frio em Lisboa, coisas de Janeiro. Passou um cão castanho e branco que os farejou e eles sorriram. Os restos das iluminações de natal não lhes valeram considerações e, por isso, não falaram mais nessa noite. Não era preciso.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Patrícia

A minha Patrícia vai amanhã para Israel em reportagem.
Digo-lhe que é maravilhoso.
O meu coração encolhe para aquela dimensão ridícula da ervilha.
E depois passa.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

caderno vermelho

Então ele abriu o caderno vermelho, um caderno mínimo, com folhas finas, folhas de papel de bíblia douradas na lombada e mostrou-me a lista do seus mortos. E, em letra miúda, estavam os nomes alinhados de todas as pessoas que lhe tinham morrido. Fiquei de lágrimas nos olhos e disfarcei. Não quero pensar nisso.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Crónica: Ser Sócrates

Sócrates olhou à sua volta, suspirou, sentiu saudades do candeeiro com asinhas que uma vez compusera o seu gabinete. Ninguém imagina o trabalho que isto dá, pensou filosoficamente. Na mesa, entre um cinzeiro que já não usa, desenhado pelo Siza, e uma caneta de ouro, oferta da mãe aquando da sua vitória, estava um dossier com as sondagens do mês. Índices de popularidade, de eficácia de comunicação, de aprovação e chumbo. Podia mudar o Ministro da Cultura, mas não posso. O Berardo gosta dele. Podia mudar a Maria de Lurdes para a Saúde, mas o lobby dos médicos e das farmácias caia-me em cima. Podia promover alguém inteligente, alguém que fosse passível de receber elogios do professor Marcelo ao domingo à noite. Também podia ligar ao Durão Barroso e ver qual a viabilidade de um cargo internacional. Seria bom mudar de ares. O António Guterres com aquela coisa dos refugiados já tem uma foto com a Angelina Jolie. O máximo que eu tenho é um ídolo desportivo, lamentou-se Sócrates, prosseguindo no seu monólogo interior. Nem vale a pena pensar nisso. Entregara a sua liberdade ao partido, a uma ideia melhor.
Nisto o telefone piscou, um telefone diferente dos outros e Sócrates voltou a suspirar. Atendeu com os salamaleques devidos e pela janela observou dois polícias fumando um cigarro. Isso é proibido, apeteceu-lhe gritar, mas absteve-se, de nada servia. Desligou o telefone com palavras de compromisso, eficazes, funcionais, pragmáticas o suficiente para lhe conferir autoridade a si e ao seu posto. O país não o compreendia. Era triste. O olhar pousou novamente nas sondagens. Tanto trabalho para quê? Para ganhar um lugar na História, não tinha dúvidas sobre isso. Agora que já ninguém questiona a licenciatura e outras coisas menos simpáticas, será que já tenho o meu poiso ao lado do Mário Soares e afins? Ou será que ainda tenho que me esforçar mais? As sondagens olhavam de frente, curvas descendentes, incompreensíveis, a rirem-se para ele, a dizerem: vai trabalhar, pá.

(Crónica publicada no Semanário Económico a 17 de Janeiro de 2009)

sábado, 17 de janeiro de 2009

Teresa

Hoje faleceu a Teresa. Imagino que envolvo o Rui e os miúdos num grande abraço.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Jorge Colombo


O Jorge coçava a barba que deixou crescer e alinhava as fotografias. Mote: Álvaro de Campos. Local: Casa Fernando Pessoa. O som destruído da banda sonora do Elvis não vingava o suficiente, alguém tinha uma aula de piano no piso de baixo. As meninas da Casa esfregavam com uma esfregona a cera do chão, a Inês deslizava com os sapatos de salto alto pelo chão. Havia aparas de papel e outras coisas espalhadas. O Francisco atendia o telemóvel sempre com aquele ar calmo de quem não se irá perturbar com nada, uma convicção só dele. Queimei a mão a tentar colocar o foco de luz para cima. O Jorge tinha um lenço dobrado em quatro, um lenço invulgarmente cavalheiresco de tecido suave. Faltavam três horas para a inauguração. Lisboa revisitada começou ontem. O fantasma de Fernando Pessoa, escapando aos sentidos extra do gato residente na Casa, passou por ali a espreitar e depois encolheu os ombros numa surpresa e deteve-se.
Foi um bom momento.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

The divine comedy

I Was Born Yesterday

I… I was born yesterday
And I believe all that you say
I have no choice
I must obey you
Is this the first or the second day
Of the rest of my life
Well hey
Why should I care either way
If what you say is true?

Saturday morning, 18th of December
I cannot remember
The last time that I saw such a young ballerina
In love with the loveless
In tune with a tuneless old upright piano
Standing en pointe
Going through each position with gentle precision
She measures each movement
Her classical features and elegant waistline
Are going to waste while she pleases her parents

What if they die on the road to Rathmines
Where a dog in two minds times his run to perfection
An orphan at last,
She’d be sick in the loo-bowl
Then go to the funeral and cry by the graveside
And then sleep with the first man she sees
And she’d catch some disease
Which she would give to her doctor
She’d cook her own breakfast, and she’d cook his as well
And both get on swell
Even though he was married

You are a part of me
I am a part of you
Why should I let you walk all over me?
All over me

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

dias

Às vezes uma pessoa aguenta, outras vezes dói.

Ela disse esta frase com o fio de tristeza que lhe restava, como uma força extra arrancada sabe-se lá de onde. Fiquei ali a pensar naquilo e a ver os olhos azuis a diminuir. Se me fosse possível mudava-lhe o mundo.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

a morte

O miúdo compreendeu hoje que a morte existe. Que faz doer e aperta o coração de quem fica. Chorou muito ao meu colo. Desconsolado. Queria saber:

- Quem inventou isto?

Expliquei-lhe as coisas que as mães explicam aos filhos, com calma e carinho, dizendo-lhe para chorar o que tivesse vontade. Já não é um pequenino. É um semi pequenino.

ervilhas com ovos

A minha mãe trouxe ervilhas com ovos. Há pouco coloquei-as no frigorífico de uma forma quase amorosa, antecipando o jantar. Depois fiquei a ouvir os miúdos respirar. Não estou na fase de contar carneiros, mas muito próximo. Podia pegar nos livros que se acumulam perto da cama, junto à mesa de cabeceira, mas o cansaço que tenho não mo permite. Fico só a ouvir a respiração deles ao longe, nos quartos, e todo o silêncio da casa.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

temos pena

ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

(há postagens mais interessantes para quem quiser aqui em baixo)

domingo, 11 de janeiro de 2009

Crónica: uns e os outros

O que acontece é que viver em guerra não é viver. Eu sou judia e sou palestiniana. Sou israelita. Vivo aqui. Optei por isto. E isto são rockets e sentimentos de medo e pânico de fazer a boca secar. São pesadelos sobre o futuro que pode não chegar. Vivemos em extremos. Todos os dias como se fosse o último. Há anos que é isto. Quando na comunidade internacional falam em tréguas esboço um sorriso. Quando vejo a CNN mudo de canal. Nos dias de folga, se os há, leio poesia no refúgio e vejo as crianças da minha rua a entender os sinais de guerra com uma clareza extraordinária. Há muita coisa que não entendo. Viver aqui sempre foi estranho, é verdade. É um deserto que nunca deixará de ser duro e cruel. Estamos destinados à guerra, disse-me uma senhora de idade há uns dias. Disse-me isto baixinho, as duas à espera de reforços, a ver se o marido sobrevivia. Atravesso as cidades com a ambulância em estado de emergência. Vivo com as mãos cheias de sangue. Sangue de uns e de outros. Quando a agulha entra num braço, qualquer braço, desaperto o meu garrote com eficácia e vejo com transparência o que somos: iguais por dentro, o mesmo sangue, as mesmas vísceras, cada órgão do corpo a reclamar uma identidade única e universal, por ser apenas humana. Nada mais. Custa-me pegar nas crianças. Vê-las mortas, para lá de um qualquer socorro. Vou para onde me chamarem. Atendo qualquer um. Tenho um distintivo internacional que me confere essa legitimidade: sou a favor da salvação. Sou quase Deus aqui na terra onde Deus viu o seu Filho pedir perdão por nós e morrer uma morte horrível. Todas as mortes são horríveis. A violência tem esse condão de nos petrificar, contudo não nos isenta dos actos posteriores, das réplicas que, sendo em número suficiente, nos deixam a bradar de horror ao mesmo tempo que as prolongamos à exaustão. Quem começou? Quem tem direito a quê? Quem violou regras? O estado do mundo é o estado deste deserto. Confuso. Paranóico. Cruel. Prepotente. Pobre. Rico. Banal. Em guerra. Uns com os outros, apesar de o sangue jorrar da mesma cor.

(Crónica publicado a 10 de Janeiro 2009 no Semanário Económico)

sábado, 10 de janeiro de 2009

Stomp em familia

Ocupámos uma fila no Auditório dos Oceanos e foi rir e bater palmas, gritar e bater com o pé. Pela segunda vez alguns, pela quarta outros, pela primeira outros ainda. O que é que interessa o número de vezes? nada. Os Stomp são sempre bons. Sempre. E é bom estarmos todos juntos. Um bom começo de fim de semana.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

a 4 mãos

Decidimos aceitar o desafio da revista portfolio e escrever um conto a várias mãos.
O resultado estará nas bancas a partir de Março, digo eu.
Coube-me o final do texto, por isso quando recebi as três partes feitas, pensei:

- Estou tramada.

O Zé Luís Peixoto termina o seu excerto com um personagem que se apresenta e diz o nome:

- Patrícia.

Pensei outra vez o quanto estava lixada.
Reli o texto da Maria do Rosário Pedreira, do Valter Hugo Mãe e do Zé Luís. Resolvi o problema e respirei fundo. Liguei ao Zé Luís e rimo-nos. E ele, em alentejano:

- Foi divertido, pá, estou contente.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

a defesa da moral de Kohlberg

Em linhas gerais o pensador considerava que a Justiça era o único critério de avaliação para um desenvolvimento moral colectivo ou pessoal.
Na verdade era um enorme chato e os pós modernistas divertiram-se a destruir a sua meta de ideal. Julgo que o consideravam ingénuo. E, de certa forma, era-o.
Dizia ela: "Conhece o bem e farás bem".
Na vida real a cores, a teoria é uma coisa, a prática outra completamente diferente. Todos os dias tenho provas desta pequena teoria caseira. E, depois de ter engolido um sapo ou outro, sobrevivido a manada ou outra, há assombros de bondade espantosos. A minha vizinha trouxe-me uma prenda. A senhora do cabeleireiro comprou bolas de neve por saber que sou viciada. O Francisco tomou o pequeno almoço comigo e ouviu-me. O Nuno mandou-me mensagens a saber se sobrevivo ao frio. A Fonseca disse-me que amanhã é outro dia. O José Eduardo chegou a Amesterdão e mandou dizer que já tinha saudades. A Inês saiu do dentista, ainda anestesiada, a saber de mim, apesar das dores que tinha. O Paulinho preocupou-se em saber de nós. O meu pai e a minha mãe idem idem. O meu irmão está melhor da gripe. O Sebastião disse: adoro-te, mãe. E Micas decidiu que quando eu tiver 70 anos fica a ver séries de televisão antigas comigo.
O meu marido deu-me um grande abraço em silêncio.
O que é que isto tem a ver com Kohlberg? Absolutamente nada e tudo. Odeio os pós-modernistas.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

reunião a quatro

O telefone tocou, ela respondeu, as outras pessoas calaram-se.
Olhando para o lado, viu a braguilha aberta do homem à sua frente e, por delicadeza, enquanto aguardava o desfecho do telefonema da chefe, mandou-lhe uma mensagem escrita, teclando no telefone com rapidez:

- Tens a braguilha aberta.

Ouviu-se um aviso de recepção de mensagem, o homem espreitou o telemóvel que tinha na mão e disse baixinho:

- Foda-se.

O telefonema terminou e a reunião continuou.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

simpatia dos Reis

Descascar uma romã, escolher 3 bagos, trincar cada uma e dizer:

Gaspar, Melchior e Baltazar, valei-me desta semente para ter e para dar.

Colocam-se as 3 bagas numa nota de qualquer valor, dobra-se o mais possível e guarda-se na carteira. No ano seguinte repete-se.
O dinheiro não faltará.
Se alguém quiser informar o Sócrates, por favor, o dia dos Reis é até à meia noite.

hoje alerta de frio

Em Lisboa algumas estações de metropolitano ficarão abertas durante a noite.
Os bombeiros estão de alerta. Se quiser doar roupa quente para os sem-abrigo, vá à junta de freguesia da sua área de residência. Ajudar não custa nada.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Crónica

Não nos enxotam daqui, sabe? Nem pensar. Aqui estamos protegidos. A polícia olha por nós. Tomámos banho ali na casa de banho. Está ver a entrada para o parque de estacionamento? Do outro lado há uma casa de banho. Eu guardo os meus cartões aqui, os cobertores no fim, entalados, para que não mos roubem. Aqui ninguém rouba, mas, enfim, é uma precaução que não custa. No outro dia - eu não estava, trabalho ali fora a arrumar carros – veio uma equipa da Câmara Municipal de Lisboa. Os meus colegas pensaram que era para nos mandar embora aqui da Gare. Conversaram e deixaram indicações para um centro de reorientação, acho que é assim que lhe chamam. Para quem quiser fazer outra vida. Eu não quero. Não tenciono lá ir. Gosto de estar aqui. É abrigado, não tem correntes de ar. Lá em cima na plataforma faz muito frio e a chuva é terrível. Já sei que a plataforma foi desenhada por um arquitecto famoso. É uma merda na mesma. No Inverno, quem fica na plataforma à espera do comboio farta-se de sofrer. Faz um efeito bonito, à noite, vista à distância. Só isso.
Aqui dentro é bom. Temos a polícia por perto. Há sítios muito quentes. No outro dia, montaram aqui uma exposição sobre a Terceira Via do Tejo e comboios de alta velocidade. Fui lá espreitar. Sim, que eu sei ler. Ouvi uns senhores dizer que era preciso tirar os sem-abrigo da Gare do Oriente. Estive quase para perguntar que mal é que lhes fazíamos. Como fervo em pouca água, deixei-me estar. Como é que vim aqui parar? Não tenho família, a minha mulher deixou-me. De repente, a rua pareceu-me o sítio mais certo para estar. A rua é como eu, não tem regras, nem expectativas. Há aqui quem tenha perdido tudo. Quem seja alcoólico ou tenha problemas com drogas. Há gente de Leste e até há casais. Dizem que a Câmara vai passar a ter casas onde os casais podem dormir juntos. Agora que está frio, dormimos todos juntos, apertadinhos. Não é como ter sexo, mas é bom. Uma fotografia para o jornal? Não. Eu ainda tenho a minha dignidade.

(crónica publicada no Semanário Económico de 3 de Janeiro de 2009)

domingo, 4 de janeiro de 2009

amanhã é outro dia

Podia ficar contigo, atravessada na cama, embrulhada no cobertor branco, uma vida inteira. Amanhã voltamos ao trabalho e tudo ficará para depois. Há uma certa tristeza nisso. Não quero pensar muito. Nem pouco. Queira só ficar ali, retida no teu abraço.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Carta de Mãe (Alentejana)...

Mê querido filho,
Ponho-te estas poucas linhas para saberes que estou
viva. Escrevo devagar por que sei que não gostas de ler depressa.

Se receberes esta carta, é porque chegou. Se ela não chegar, avisa-me que
eu mando-te outra.

Tê pai leu no jornal que a maioria dos acidentes ocorrem a 1km de casa.
Assim, mudámo-nos para mais longe.

Sobre o casaco que querias, o tê tio disse que seria muito caro mandar-to
pelo correio por causa dos botões de ferro que pesam muito.
Assim arranquei os botões e puse-os no bolso. Quando chegar aí, prega-os de
novo.

No outro dia, houve uma explosão na botija de gás aqui na cozinha. O pai
e eu fomos atirados pelo ar e saímos fora de casa. Que emoção: foi a
primeira vez em muitos anos que o tê pai e eu saímos juntos.

Sobre o nosso cão, o Joli, anteontem foi atropelado e tiveram de lhe
cortar o rabo, por isso toma cuidado quando atravessares a rua.

Na semana passada, o médico veio visitar-me e colocou na minha boca um
tubo de vidro. Disse para ficar com ele por duas horas sem falar. O teu
pai ofereceu-se para comprar o tubo.

Tua irmã Maria vai ser mãe, mas ainda não sabemos se é menino ou menina,
portanto não sei se vais ser tio ou tia.

O teu irmão António deu-me muito trabalho hoje. Fechou o carro e deixou
as chaves lá dentro. Tive que ir a casa, pegar a suplente para a abrir.
Por sorte, cheguei antes de começar a chuva, pois a capota estava em
baixo.

Se vires a Dona Esmeralda, diz-lhe que mando lembranças. Se não a vires,
não digas nada.

Tua Mãe Marta

PS: Era para te mandar os 100 euros que me pediste, mas quando me lembrei
já tinha fechado o envelope.

(esta carta/anedota foi-me enviada pelo meu pai e deve andar por aí a circular na net)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

VIVER DE AMOR

pra se viver do amor
há que esquecer o amor
há que se amar
sem amar
sem prazer
e com despertador
como um funcionário

há que penar no amor
pra se ganhar no amor
há que apanhar
e sangrar
e suar
como um trabalhador

ali, o amor
jamais foi um sonho
o amor, eu bem sei
já provei
e é um veneno medonho

é por isso que se há de entender
que o amor não é um ócio
e compreender
que o amor não é um vício
o amor é sacrifício
o amor é sacerdócio

amar
e iluminar a dor
como um missionário

(canção de Chico Buarque para Ópera do Malandro, 1978)