sábado, 28 de fevereiro de 2009

Crónica Feminina Inês Pedrosa na edição de hoje do Expresso

O ataque dos respeitáveis

Fui católica durante tempo suficiente para saber que o catolicismo, quando genuíno, não distingue as pessoas segundo «estatutos», sejam eles de «respeitabilidade» ou de outra coisa. Pelo menos não foi essa a mensagem de Cristo, que nos recomendava a simplicidade e a compaixão, que perguntava se algum de nós tinha o direito de atirar uma pedra a quem quer que fosse, e que nos aconselhava a olhar para a trave que tapa os nossos próprios olhos em vez de nos arrogarmos o direito de tirar argueiros dos olhos alheios. Por isso estranhei estas palavras de Maria José Nogueira Pinto, no Diário de Notícias( 19.2 ): « Na busca de um estatuto de respeitabilidade, os homossexuais exigem um símbolo suficientemente forte para afastar os fantasmas da diferença, da discriminação implícita, de uma situação apenas consentida, do medo da homofobia, da suposição do desprezo, da condescendência hipócrita». Na minha candura, pensava eu que, hoje, e no mundo ocidental, as pessoas casavam por amor ou, na pior das hipóteses, na esperança ( ingénua, mas bonita) de que o compromisso assumido as ajudasse a manter vivo esse amor – e tenho pena desses seres, se é que eles existem, que casam para adquirir «um estatuto de respeitabilidade». Pobre estatuto. Tristes existências.
Os homossexuais portugueses que sonham com o casamento (conheço vários, alguns deles até já casados pela lei de outros países), desejam-no pelas mesmíssimas razões que os heterosexuais: antes de mais, porque se amam e querem celebrar publicamente um compromisso de vida em comum. Além disso, querem assumir os deveres e direitos que o casamento concede – e são importantes, esses deveres e direitos, designadamente no que se refere a propriedades, assistência na doença ou heranças. Todos sabemos de casos de famílias que desprezaram e abandonaram um dos seus filhos ( ou filhas) por causa da sua homossexualidade, e que, depois de morto o pecador, aparecem para lhe ficar com todas as posses – enquanto a pessoa que com ele partilhou a vida, os problemas do quotidiano e a doença fica espoliada de tudo, a começar pela casa que era morada do casal. É isto humano? É isto admissível, no século XXI? É isto cristão?
Aos veladores das aparências mais modernaços, preocupa-os sobretudo a palavra. A contaminação a que a palavra «casamento» seria sujeita, pelas «anormais» práticas sexuais das pessoas que se apaixonam por pessoas do mesmo sexo. Que D. José Saraiva Martins diga que as relações sexuais destas pessoas não são «normais» parece-me, embora tonto, normal. Um dos problemas da Igreja Católica é que os seus sacerdotes são supostos professar a mais absoluta ignorância em matéria de sexo – o que os torna naturalmente desabilitados para se pronunciarem sobre esse tema central da natureza humana. Eu, graças a Deus, não sei o que é «sexo normal». Lastimo, aliás, a excessiva «normalização» do sexo, que o deserotiza, transformando-o numa maratona entediante, em vez de um fulgurante caminho para os mistérios do conhecimento e do prazer. Se Deus quisesse que fôssemos asexuados e deserotizados não nos teria feito nascer, a todos, do acto sexual. E se Deus entendesse que o sexo serve apenas a reprodução não nos teria criado com sentimentos e com um sentido erótico da vida ( que se prende com o conhecimento da morte e que nos distingue dos restantes animais). Isto, claro, para quem acredita em Deus. Quem não acredita, limita-se a constatar a prodigiosa diversidade dos homens e das mulheres – e, no início do século XXI, tem obrigação de já não se incomodar com as decisões de cada um no que respeita à sua vida privada.
Entretanto, convém relembrar aos católicos menos cristãos e mais preocupados com o culto das aparências do que com a verdade dos corações, que já existe um outro nome para o casamento católico: chama-se «matrimónio sagrado». Relembrar-lhes também que, na sociedade laica em que vivemos, não lhes assiste o direito de privar ninguém do direito a casar, civilmente, com quem entender. E explicar-lhes que as demagogias comparativas com a poligamia ( já agora, porque não com a poliandria?) não colhem, pela simples razão de que não é esse o modelo da nossa civilização, que radica no direito à auto-determinação individual ( vulgo, liberdade), o que implica equidade nas relações humanas. Não está provado ( pelo contrário), que a poligamia nasça da livre escolha – que as mulheres em causa nunca tiveram. E isso faz toda a diferença.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

sair daqui

Ela já não estava a ouvir, sentia o suor a crescer nas axilas, no pescoço, a invadir a cova do ladrão. Tinha por junto 16 corações a latejar na garganta. Era urgente sair dali. Respirar. Sair do pânico e, sobretudo, disfarçar. Fez tudo isso com alguma sabedoria até que chegou ao carro e se afogou nela própria.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

ontem

MARCHA DE QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Carlos Lyra / Vinicius de Moraes

Acabou nosso carnaval, ninguém, ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações saudades e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se vê
Que nem se sorri, se beija e se abraça
E sai caminhando, dançando e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir, voltou a esperança
É o povo que dança, contente da vida feliz a cantar
Porque são tão tantas coisas azuis, há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver e brincar outros carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Bom domingo

Deve chegar. Bom domingo.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

do the thinking for us, for all of us



Ontem vimos o Casablanca. No sofá. Em família. Uma boa história é sempre eterna.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Crónica: Um homem do Norte

Aqui só entre nós, off the record como vocês dizem, a Manuela tem mesmo de se demitir e ir para casa tomar conta dos netos. Tem mais do que um neto, não tem? Não sei nada da vida dela. Nem quero. Só de a ver nos jornais me assusta. Julguei que era outro tipo de mulher e que, bem vistas as coisas, onde eu fui derrotado, ela sairia vencedora. Ela tão pragmática, dura, amiga de Cavaco Silva, enfim, com os chavões economicistas e, claro, de Lisboa ou dos arredores. Sim, sim, que eu não vinguei no PSD pela simples razão de ser do Norte. Isto de não ser de Lisboa tem muito que se lhe diga. O PSD é um partido de betinhos, fundado em Lisboa, com sede na Lapa, caramba.
Eu deveria ter entendido logo, mas o que querem? Fui ingénuo e acreditei. Atirei-me de um só fôlego e fiz o que consegui. Não fiz mais, é certo. Fiz o que consegui e já foi muito. Divirto-me muito a ver como a Manuela adoptou o nosso Pedro que se vai candidatar à Câmara Municipal de Lisboa. Fico mais feliz ainda com o facto da antiga Ministra das Finanças não ter conversa que chegue para o Primeiro Ministro. É que o Sócrates, está a ver, enquanto estiver calado, está muito bem e ele quer lá conversar com a Manuela. Conversar sobre o quê?
O PSD bateu no fundo. Numa sondagem recente o partido teve o pior e mais reles índice de popularidade dos últimos 15 anos. Antigamente, garanto-lhe, era um partido que era um trampolim com características quase olímpicas. Era quase uma coisa mística: uma pessoa filiava-se e depois era ver como tudo ascendia. Falo por mim. Agora? Agora o partido é como o Martim Moniz: temos de viver com ele, mas nunca será um sonho concretizado. Estou a usa o Martim Moniz como metáfora e, já se sabe, serei acusado de tendencioso, egoísta e nortenho ferrenho. Longe de mim nomear um espaço aqui no Norte. As metáforas só ficam bem a Lisboa.
Eu cá até gosto de ser egoísta. Deixei o partido à Manuela, devolvi o Pedro ao país e agora divirto-me a criticar e a pedir cabeças. Não, não quero ser presidente dos restos do PSD, Deus me livre, mas é muito bom invocar a liberdade de expressão e desancar nos betinhos. Esperto é o Sócrates que se mantém caladinho a ver a banda passar. O Martim Moniz é tão longe de São Bento que nem faz mossa.

(Crónica publicada no Semanário Económico a 19 de Fevereiro de 2009)

sábado, 21 de fevereiro de 2009

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Obrigada Teresa

Alfama

Quando Lisboa anoitece
como um veleiro sem velas
Alfama toda parece
Uma casa sem janelas
Aonde o povo arrefece

É numa água-furtada
No espaço roubado à mágoa
Que Alfama fica fechada
Em quatro paredes de água
Quatro paredes de pranto

Quatro muros de ansiedade
Que à noite fazem o canto
Que se acende na cidade
Fechada em seu desencanto
Alfama cheira a saudade

Alfama não cheira a fado
Cheira a povo, a solidão,
Cheira a silêncio magoado
Sabe a tristeza com pão
Alfama não cheira a fado
Mas não tem outra canção


José Carlos Ary dos Santos

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Dias assim

O meu marido levou sete anestesias no dentista, o Sebastião e o Micas cortaram o cabelo (finalmente), o meu irmão foi às urgências e tem uma carrada de exames para fazer, o meu pai ligou a dizer que a Jerónimo Martins começou por pagar, desde o início da empresa, subsídio de natal, há um texto da Graça Franco sobre isso, risquei o meu carro em dois sítios diferentes,fiz mal as contas de um orçamento, não tomei os comprimidos a horas, ando a mil. E ainda faltam umas horas até chegar ao fim. Irra.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

presunção

dormir seria uma terapia estranha. não me levantar para ir à casa de banho. ver a vida em minúsculas como nos poemas e livros do valter hugo mãe. espreitar os dedos no colchão em gestos tão invisíveis que não perturbariam a ordem das coisas. os filmes mudos e a preto e branco atrás das pálpebras dos meus olhos. seria apenas a bela adormecida.
que presunção.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Crónica: Um sítio como qualquer outro

O homem na recepção olhou para a senhora de idade e perguntou se sofria de alguma perturbação mental. A senhora considerou por momentos. Perturbação? Não, na verdade, acreditava que não. Tinha feito uma cirurgia – à vesícula – mas há mais de dez anos. Sofria de glaucoma, porém estava controlada. Não, assim de repente, a senhora podia assegurar que não sofria de perturbações mentais. Tomava comprimidos para a tensão arterial, mas tendo em conta a sua idade, enfim... Uma coisa natural. O homem da secretaria do hospital encolheu os ombros. A senhora não tinha queixas. Nem documentos, telemóvel, família.
O homem sentado atrás do balcão de atendimento permanente estava treinado, sabia lidar com pessoas de índole variada. Tinha paciência, era diligente. Não se considerava especialmente bom, era apenas eficaz e não compreendia o que deveria fazer com a senhora de idade que estava, ansiosa, a olhá-lo por detrás de uns óculos de massa infinitos. Então, a senhora suspirou, debruçou-se, quase ligeira, sobre o balcão e, mais perto do homem do que seria aceitável, disse-lhe que queria ser admitida no hospital por qualquer razão. O que ele entendesse ser melhor. O que lhe permitisse passar ali mais tempo. Não se importava de fazer exames, mesmo evasivos invasivos. Só não queria ir para casa. O homem tentou, pela enésima vez, explicar que o sistema hospitalar não funcionava assim, havia regras e procedimentos. Uma urgência, afinal, serve para atender casos urgentes. Era a quarta vez que dizia aquela frase.
A senhora voltou à sucessão de suspiros. O homem perguntou pela existência de um filho, irmão, primo, sobrinho, afilhado, vizinho. A senhora foi abanando a cabeça. Cansado, o homem decidiu sair do seu cubículo burocrático e convidou a senhora a ir à na cafetaria. Antes, com um aceno de cabeça, pediu à colega para o substituir. A senhora fazia-lhe lembrar alguém, uma professora da escola primária, uma professora com paciência para a sua dislexia.
Levou gentilmente a senhora até à cafetaria. Perguntou se um chá seria adequado. Ela acenou e sentou-se numa das mesas junto à janela. O homem colocou-se na fila a pensar no problema da senhora, na melhor forma de o resolver. Teria de falar com o chefe, estava visto. Foi reunindo uma bandeja, guardanapos, pacotes de açúcar, uma colher de plástico. Quando chegou a sua vez pediu o chá e um pastel de nata. Pagou e recebeu o troco sem conferir. Quando regressou à mesa a senhora estava morta.
Tinha ido ao hospital para morrer.

(crónica pública no Semanário Económico de 14 de Fevereiro de 2009)

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Todos os dias


Há uma instalação de post-its cor-de-rosa na casa de banho. Nem todos são sobre amor, mas a maioria é. Não sobreviverão à humidade. Serão guardados e lembrados. Para o ano há mais.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O melhor de Luís Represas logo à noite no Campo Grande

Se ela pressentisse
O olhar que me devolve
As ânsias sem idade
Os olhares ao espelho sem piedade
A verdade foge trémula e sem serenidade

Se ele sentisse
Só por uma vez
Que paro quando fala
Que rio quando olha
E coro quando é para mim
E quero que me agarre

Ela nem imagina
Ele nunca me vai ver
Volto a cruzar-me com ela
Fingindo não o ver
E por isso nunca
Ele nunca vai saber
O quanto eu te quero

Ela vai rir-se quando lhe contar
Que um dia quis dar-lhe o mundo
Mas não a soube chamar
O seu cheiro passa solto
E leve como o ar

Ele vai ter um sonho por guardar
O tempo não tem escolha
E a alma passou longe
Adeus! Será que é Adeus?
Eu não te perco mais

Ela nem imagina
Ele nunca me vai ver
Volto a cruzar-me com ela
Fingindo não o ver
E por isso nunca
Ele nunca vai saber
O quanto eu te quero

Se ela pressentisse
O olhar que me devolve
As ânsias sem idade
Os olhares ao espelho sem piedade
A verdade foge trémula e sem serenidade

Se ele sentisse
Só por uma vez
Que paro quando fala
Que rio quando olha
E coro quando é p'ra mim
E quero que me agarre

Ela nem imagina
Ele nunca me vai ver
Volto a cruzar-me com ela
Fingindo não o ver
E por isso nunca
Ele nunca vai saber
O quanto eu te quero

Ela nem imagina
Ele nunca me vai ver
Volto a cruzar-me com ela
Fingindo não o ver
E por isso nunca
Ele nunca vai saber
O quanto eu te quero


(Letra de Margarida Pinto Correia; Música Luís Represas; Dueto com Simone)

Luís Represas hoje

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhas de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dize-lo cantando a toda a gente!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

o inferno

O inferno transformou-se, de repente, naquela frase.
Eu já a tinha dito e não havia nada a fazer. Era assim como a Meg Ryan no When Harry met Sally (mas só a Margarida é que se vai lembrar). It's already out there.
Eu disse:

- Eu achei que tu eras gay.

Depois morri. Claro. Ele tem apenas um lado feminino.
Ainda bem que o tem. Disse-lho várias vezes. Ele foi gentil e sorriu.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

O nosso primeiro beijo

O meu marido era meu amigo. Não havia ainda essa legitimidade do amor anunciado e depois formal, números coincidentes, ligações, moradas, impostos.
Chovia muito naquele dia. Tínhamos almoçado risotto de legumes num restaurante junto ao rio. As horas perderam-se sem saberem.
Quando corremos infantis na direcção dos carros, a chuva inundava os nossos passos. Ele pediu: “Entra no meu carro. Tenho uma canção para ouvires”. Era “A Case of You” de Joni Mitchell, escrita um ano depois de eu ter nascido.

(...)Oh you are in my blood like holy wine
And you taste so bitter but you taste so sweet
Oh I could drink a case of you
I could drink a case of you darling
Still Id be on my feet
And still be on my feet (...)


Ouvimos em silêncio. Os vidros cobertos de lágrimas de chuva. A música a apertar a minha garganta, o embaciar dos olhos.
No fim, no silêncio de tudo, desfiz-me: “O que eu precisava era de um bom beijo”.
Gentil, com as duas mãos, o meu futuro marido pegou-me no rosto e deu-me o nosso primeiro beijo.

(texto publicado na Time Out na edição de hoje)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Painted from memory

http://www.youtube.com/watch?v=LqIbn6bVK1U

Such a picture of loveliness
Didn't you notice the difference?
Doesn't it look like she could speak?
Those eyes I try to capture
They are lost to me forever
They smile for someone else
Funny, how looks can be deceiving
But she's not easily painted from memory
You'd think that I would know by now
Those eyes I try to capture
They are lost to me forever
They smile for someone else
And so this had to be painted from memory
She is gone and I must accept it
She is lost to me now
But I can't look away just yet though
She smiles for someone else
And so this had to be painted from memory
Funny, now I can see how looks can be deceiving

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Caladinho que nem um rato

Está tudo maluco. Tudo. O único que está sóbrio aqui sou eu. Esta é a reunião de pais mais disparatada a que assisti. Então, vocês ainda não compreenderam que os miúdos têm o primeiro contacto com o sexo através da internet? Ainda não fizeram nada, mas já viram tudo. Acham mesmo que controlam os vossos filhos e o tempo que estão a navegar? São de uma ingenuidade que faz doer, ficam a saber. Os miúdos sabem tudo e não têm pudor em partilhar uns com os outros. Em que mundo é que vivem? Se vocês enquanto pais querem viver na ilusão de que os filhos são vossos e não são do mundo, pois façam o favor, mas não se queixem mais tarde. Sobretudo não se queixem a mim. Sou apenas o professor e nem sei por quanto tempo. Tempo é uma coisa que vocês não têm, pois não? Chegam a casa às sete, os miúdos estiveram no atelier de tempos livros, com a empregada, na melhor das hipóteses com os avós. Eles já viram lésbicas e esquemas de mentiras nas séries de televisão ao fim da tarde, já viram uma dançarina de um clube de strip a ser estrangulada numa série americana e andaram no msn a dizer mentiras uns aos outros. Mas como já têm os trabalhos feitos, se os tiverem, e o banho tomado que diferença faz se não houve quem os filtrasse dos males do mundo? Não que seja a favor da censura, não sou. Os miúdos não podem viver em cápsulas protectoras, isentos da maldade que para aí há. O que eles precisam é que os pais sejam GPS eficazes e modernos, que lhes mostrem caminhos principais e secundários, mas que estejam presentes. E estar presente não é estar ao telemóvel, a ver o telejornal ou telenovela, a jogar playstation ou na net. Podia dizer-vos tudo e ficavam siderados, estrangeiros dos vossos filhos, amputados desse sonho cor-de-rosa que criaram nos filmes da vossa infância. Os vossos filhos não viram o feiticeiro de Oz, caramba. Acordem. Os miúdos têm 13 anos e já sabem o que é um orgasmo múltiplo. Não acreditam? Pois não, por isso é que eu estou aqui a assistir a tudo com esta calma e caladinho que nem um rato.

(Crónica publicada no semanário económico a 7 de Fevereiro de 2009)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

faltam dois minutos

Faltam dois minutos para sairmos de casa rumo ao Porto. O miúdo mais novo toca piano. O meu marido passa creme nas mãos. O mais velho está a fingir de morto no sofá. As gatas já perceberam que vamos sair. São oito da manhã. Ninguém merece.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

o sacríficio dos filhos


Ela foi-se esconder no cinema num filme lamechas. Salvavam-se os actores, Dustin Hoffman e Emma Thompson.
Os filhos aguentaram a coisa até ao fim.
Ganharam uns pontos extra no início do fim de semana.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

In the mood for love

www.youtube.com/watch?v=kXqAcmDtEXc

Oração

Senhor
Não me ajudes hoje
Deixa-me só e triste
Dá-me só o amanhã
A certeza da Tua mão
A voz que chegará a mim

Senhor
Não me ajudes hoje
Não Te digo nada
Não apresento queixas
Amanhã saberás apagá-las e apaziguar-me
Com os outros
Comigo
Contigo

Senhor
Dá-me hoje apenas o teu colo
Sem perguntas nem certezas
Um colo apenas
Um ventre protegido das coisas que batalham
Em mim
De mim
Por mim

Senhor
No teu colo serei egoísta e centrada
Na minha dor de hoje
Amanhã, Senhor
O teu amor terá o poder apagar a dor
E voltarei ao meu caminho

Senhor
Hoje o teu colo
Apenas isso

Amanhã serei melhor

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Queen of the supermarket

www.youtube.com/watch?v=g56ICHwWkno

There's a wonderful world where all you desire
And everything you've longed for is at your fingertips
Where the bittersweet taste of life is at your lips
Where aisles and aisles of dreams await you
And the cool promise of ecstasy fills the air
At the end of each working day she's waiting there

I'm in love with the Queen of the Supermarket
As the evening sky turns blue
A dream awaits in aisle number two

With my shopping cart I move through the heart
Of a sea of fools so blissfully unaware
That they're in the presence of something wonderful and rare
The way she moves behind the counter
Beneath her white apron her secret remains hers
As she bags the groceries her eyes so bored
And sure she's unobserved

I'm in love with the Queen of the Supermarket
There's nothing I can say
Each night I take my groceries and I drift away
And I drift away

Guidance from the gods above
At night I pray for the strength to tell her
When I love I love I love I love her so
Take my place in the check-out line
For one moment her eyes meet mine
I'm lifted up, lifted up, lifted up, lifted up

I'm in love with the Queen of the Supermarket
Though her company cap covers her hair
Nothing can hide the beauty waiting there
The beauty waiting there

I'm in love with the Queen of the Supermarket
I'm in love with the Queen of the Supermarket

As I lift my groceries in to my car
I turn back for a moment and catch a smile
That blows this whole fucking place apart

I'm in love with the Queen of the Supermarket

(Bruce Springsteen is back!)

Carta para Inês

Princesa

Aí no calor de ananases onde estás decerto que a chuva de Lisboa não te deprime. Eu fico cinzenta. Pareço uma nuvem, uma ameaça. Imagino-te no Leblon, subindo a Prudente de Morais, entrando na Travessa, depenicando aquelas coisas maravilhosas que abundam pelas estantes, capas de livros, contracapas, um mundo de histórias.
Oiço-te a rir nos jantares com poetas e outros amigos e ainda me pergunto se tiveste tempo, se foste às compras, se tens um vestido novo. Coisas pequenas
Escrevo-te assim porque tenho saudades tuas, do teu número a piscar no meu telemóvel. Uma coisa um bocadinho lamechas, mas o que queres? Está a chover em Lisboa e eu fico assim.
Um beijo

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Both sides now

Rows and floes of angel hair
And ice cream castles in the air
And feather canyons evrywhere
Ive looked at clouds that way

But now they only block the sun
They rain and snow on evryone
So many things I would have done
But clouds got in my way
Ive looked at clouds from both sides now
From up and down, and still somehow
Its cloud illusions I recall
I really dont know clouds at all

Moons and junes and ferris wheels
The dizzy dancing way you feel
As evry fairy tale comes real
Ive looked at love that way

But now its just another show
You leave em laughing when you go
And if you care, dont let them know
Dont give yourself away

Ive looked at love from both sides now
From give and take, and still somehow
Its loves illusions I recall
I really dont know love at all

Tears and fears and feeling proud
To say I love you right out loud
Dreams and schemes and circus crowds
Ive looked at life that way

But now old friends are acting strange
They shake their heads, they say Ive changed
Well somethings lost, but somethings gained
In living evry day

Ive looked at life from both sides now
From win and lose and still somehow
Its lifes illusions I recall
I really dont know life at all
Ive looked at life from both sides now
From up and down, and still somehow
Its lifes illusions I recall
I really dont know life at all

Joni Mitchell

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Carlos Drummond de Andrade

Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Daquilo que eu sei

Daquilo que eu sei
Nem tudo me deu clareza
Nem tudo foi permitido
Nem tudo me deu certeza...

Daquilo que eu sei
Nem tudo foi proibido
Nem tudo me foi possível
Nem tudo foi concebido...

Não fechei os olhos
Não tapei os ouvidos
Cheirei, toquei, provei
Ah Eu!
Usei todos os sentidos
Só não lavei as mãos
E é por isso que eu me sinto
Cada vez mais limpo
Cada vez mais limpo
Cada vez mais limpo

Ivan Lins

domingo, 1 de fevereiro de 2009