segunda-feira, 16 de março de 2009

domingo, 15 de março de 2009

Crónica: O nariz de Sócrates

Os miúdos estavam no desassossego habitual, a segunda circular entupida e eu a bufar ao volante. De repente, o mais novo larga às gargalhadas e aponta para o outdoor à direita. Enorme, temos o nosso Primeiro Ministro com nariz de Pinóquio, uma campanha dos jovenzinhos do PSD (esses, coitados, também não perceberam nada, pois não?) com a frase: vou criar 150 mil empregos. O miúdo mais velho riu-se e depois encolheu os ombros. Do alto dos seus 13 anos, disse:
- Coitado, o homem faz o que pode.
Fiquei a pensar naquilo ao mesmo tempo que me apeteceu mandar um jeitoso, um chico esperto de corsa, à merda por se me atravessar no caminho sem pisca, sem nada. O nariz do Sócrates a crescer como o do Pinóquio adapta-se bem a todos os políticos, não será? O que mais me impressionou foi o quase carinho do meu filho mais velho pelo primeiro ministro que faz o que pode. Expliquei-lhe que no próximo congresso do Partido Socialista, o Sócrates faz questão de convidar um ditador, Hugo Chavez. O mais novo começou a rir outra vez e largou a bomba do dia:
- Esse não é aquele muito gordo que diz que o Magalhães é muito bom, um computador pensado para as crianças e depois atirou-o ao chão para mostrar que não se partia?
- Onde é que tu viste isso?
- No youtube. Está tudo no youtube, mãe.
Já sei, mas não quero saber. E também quero ignorar que o nosso Primeiro Ministro tem orgasmos intelectuais com um ditador latino americano com pretensão para a retórica. Aproveito para ignorar outras maçadas, como os impostos, o custo das escolas, a renda da casa, o aumento do pão e a opção pragmática de comprar produtos linha branca no Lidl. Concentro-me no trânsito. Não vou passar dos 80 - olha os radares – concentro-me em qualquer outra coisa. Evito corsas e outros loucos do volante. O objectivo é esquecer o nariz do Sócrates e a barriga do Chavez. Vou comprar uma casa na fronteira, quando isto se afundar ganho uma bela vista para o mar.

(crónica publicada no Semanário Económico dia 14 de Março de 2009)

sábado, 14 de março de 2009

até às lágrimas



So tenderly
Your story is
Nothing more
Than what you see
Or
What you've done
Or will become
Standing strong
Do you belong
In your skin
Just wondering

Gentle now
The tender breeze
Blows
Whispers through
My Gran Torino
Whistling another
Tired song

Engine humms
And bitter dreams
Grow heart locked
In a Gran Torino
It beats
A lonely rhythm
All night long
It beats
A lonely rhythm
All night long
It beats
A lonely rhythm
All night long

Realign all
The stars
Above my head
Warning signs
Travel far
I drink instead
On my own
Oh,how I've known
The battle scars
And worn out beds

Gentle now
A tender breeze
Blows
Whispers through
A Gran Torino
Whistling another
Tired song

Engines humm
And bitter dreams
Grow
Heart locked
In a Gran Torino
It beats
A lonely rhythm
All night long

These streets
Are old
They shine
With the things
I've known
And breaks
Through
The trees
Their sparkling

Your world
Is nothing more
Than all
The tiny things
You've left
Behind

So tenderly
Your story is
Nothing more
Than what you see
Or
What you've done
Or will become
Standing strong
Do you belong
In your skin
Just wondering

Gentle now
A tender breeze
Blows
Whispers through
The Gran Torino
Whistling another
Tired song
Engines humm
And bitter dreams
Grow
A heart locked
In a Gran Torino
It beats
A lonely rhythm
All night long

May I be
So bold and stay
I need someone
To hold
That shudders
My skin
Their sparkling

Your world
Is nothing more
Than all
The tiny things
You've left
Behind

So realign
All the stars
Above my head
Warning signs
Travel far
I drink instead
On my own
Oh
How i've known
The battle scars
And worn out beds

Gentle now
A tender breeze
Blows
Whispers through
The Gran Torino
Whistling another
Tired song
Engines humm
And better dreams
Grow
Heart locked
In a Gran Torino
It beats
A lonely rhythm
All night long
It beats
A lonely rhythm
All night long
It beats
A lonely rhythm
All night long

music by Clint Eastwood

sexta-feira, 13 de março de 2009

quarta-feira, 11 de março de 2009

Novo livro de poemas de José Mário Silva

hipermetropia

Nas fotografias mais antigas

ainda uso óculos: memória

das lentes riscadas e paninhos

de flanela. Um dia as dioptrias

desapareceram («óptimo», disse

o oftalmologista) e fiquei a ver

melhor ao longe – mas não tão

longe que consiga alcançar, hoje,

o que via quando as hastes me

magoavam atrás das orelhas.


(José Mário Silva, Luz Indecisa, vai ser publicado em Abril na colecção de poesia da Oceanos)

terça-feira, 10 de março de 2009

do avesso

Estava escondido no silêncio da casa, barricado. Indiferente aos dias que faltam para a primavera, cheio de ideias ao avesso das que podem ser consideradas por alguém como normais. O próprio conceito, normal, tinha demonstrado recentemente que não se adaptava a ele e que, por isso só, seria marginalizado. O respeito que considerava adquirido perdeu-se como uma cheia de rio imprevista. Assim, ficou na casa, escondido, sem fazer barulho. A tentar não pensar. O avesso de tudo isso seria a vida em pleno, uma montanha russa de miudezas que cansam e pouco mais. Pensou nas pessoas que ama, as poucas que lhe são próximas, as que se mataram simbolicamente da sua vida por não serem capazes de ouvir nada ou ninguém. A casa transformou-se num deserto grande e largo. Teve, por instantes, medo e depois pena. Ficou nesse caldo o resto da manhã. À tarde faria, então, um esforço.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Soneto De Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente



Vinicius de Moraes

(nota para os menos optimistas: publiquei este poema não por estar infeliz e em vias de me separar, mas por ser muito bonito. Compreenderam agora? Boa)

domingo, 8 de março de 2009

domingo

Por razões de sanidade mental não tenho nada para vos dizer.

sábado, 7 de março de 2009

Isto vai de mal a pior

A crisezinha, sabe? Pois eu não percebo a confusão à volta da crise. Estamos em crise desde que me lembro. O que importa são outras coisas. Quer exemplos? Olhe, o futuro da segurança social, por exemplo. A vizinha tem a certeza de que vai ter reforma? Eu não tenho certeza de nada. Zero. O meu Manel fez umas coisas de poupança, umas coisas muito avançadas e seguras diz ele. Eu cá só me apetecia colocar o dinheirinho na Caixa Geral de Depósitos, mas qualquer dia não há lá nada, não é? Tanta ajuda a este a outro banco, de onde vem o dinheiro afinal? Eu não entendo nada, nunca entendi. A minha filha fez uma licenciatura numa universidade privada, esfolou-se a trabalhar e agora diz que precisa de fazer mestrado e depois doutoramento. Caso contrário não é ninguém. Diz ela que uma licenciatura é hoje o equivalente à quarta classe. Claro que ela é que sabe, estuda e lê muito, tem o computador e essas coisas, mas a gente fica a pensar não é? Com a idade dela, já eu tinha saído de casa há quase dez anos. Parece uma coisa incrível. Dizem que os filhos saem cada vez mais tarde de casa. Tomara. Coitados. Então, vão para onde? As casas têm uns preços ridículos, tudo custa para cima de uma fortuna. Mais vale ficarem em casa dos pais e das mães, sempre está tudo montado, máquinas e assim. O que custa montar uma casa, a vizinha já imaginou? No outro dia fiz contas por alto com a minha Isabel e, digo-lhe já, ou ela casa com um homem rico ou então vai viver aqui até o pai se reformar. E a reforma ainda deve ter de dar para pagar o tal doutoramento. Digo eu. Sabe o que lhe digo? Estou cansada de tudo isto. Não vejo melhoras. Cada vez que ligo a televisão e vejo o telejornal só tenho vontade de lhes chamar nomes. Políticos engravatados em carros com motorista. Quem paga aquilo tudo? Nós, com certeza. Este ano não vou votar. Nem que o Partido me obrigue. Essa coisa do comunismo também já não tem jeito nenhum. As saudades que eu tenho de uma boa sardinhada na Festa do Avante e do camarada Cunhal. Eram outros tempos. O meu Manel diz que vota no Bloco de Esquerda, mas eu nem pensar. O Louçã parece o padre lá da aldeia. Muita parra pouca uva, é o que é.
(crónica publicada no Semanário Económico de 7 de Março 2009)

sexta-feira, 6 de março de 2009

o ataque do mac

O meu mac decidiu meter férias. Não consigo ir a qualquer endereço que termine em com. Viva a PT! Acho que isto é uma conspiração do Sapo. Ou coisa que o valha. Assim, a minha ausência está justificada e, para cúmulo, só posso bloggar no computador do meu filho mais velho. Ao que está reduzida uma mãe.

quarta-feira, 4 de março de 2009

a letra P

Pedro Paulo Pereira Pinto, pequeno pintor Português, pintava
portas, paredes, portais. Porém, pediu para parar porque preferiu pintar
Panfletos. Partindo para Piracicaba, pintou prateleiras para poder
progredir. Posteriormente, partiu para Pirapora. Pernoitando, prosseguiu
para Paranavaí, pois pretendia praticar pinturas para pessoas pobres.
Porém, pouco praticou, porque Padre Paulo pediu para pintar panelas, porém posteriormente pintou pratos para poder pagar promessas. Pálido, porém personalizado, preferiu partir para Portugal para pedir permissão para papai para permanecer praticando pinturas, preferindo, portanto, Paris. Partindo para Paris, passou pelos Pirineus, pois pretendia pintá-los.
Pareciam plácidos, porém, pesaroso, percebeu penhascos pedregosos,
preferindo pintá-los parcialmente, pois perigosas pedras pareciam
precipitar-se, principalmente pelo Pico, porque pastores passavam pelas
picadas para pedirem pousada, provocando provavelmente pequenas
perfurações, pois, pelo passo percorriam, permanentemente, possantes
potrancas. Pisando Paris, pediu permissão para pintar palácios pomposos,
procurando pontos pitorescos, pois, para pintar pobreza, precisaria
percorrer pontos perigosos, pestilentos, perniciosos, preferindo Pedro
Paulo precaver-se. Profunda privação passou Pedro Paulo. Pensava poder
prosseguir pintando, porém, pretas previsões passavam pelo pensamento,
provocando profundos pesares, principalmente por pretender partir
prontamente para Portugal. Povo previdente! Pensava Pedro Paulo... -
Preciso partir para Portugal porque pedem para prestigiar patrícios,
pintando principais portos portugueses. Paris! Paris! Proferiu Pedro Paulo.
- Parto, porém penso pintá-la permanentemente, pois pretendo progredir.
Pisando Portugal, Pedro Paulo procurou pelos pais, porém Papai Procópio
partira para Província. Pedindo provisões, partiu prontamente, pois
precisava pedir permissão para Papai Procópio para prosseguir praticando
pinturas. Profundamente pálido, perfez percurso percorrido pelo pai.
Pedindo permissão, penetrou pelo portão principal. Porém, Papai Procópio
puxando-o pelo pescoço proferiu: - Pediste permissão para praticar pintura,
porém, praticando, pintas pior. Primo Pinduca pintou perfeitamente prima
Petúnia. Porque pintas porcarias? - Papai, - proferiu Pedro Paulo - pinto
porque permitistes, porém, preferindo, poderei procurar profissão própria
para poder provar perseverança, pois pretendo permanecer por Portugal.
Pegando Pedro Paulo pelo pulso, penetrou pelo patamar, procurando pelos
pertences, partiu prontamente, pois pretendia pôr Pedro Paulo para praticar
profissão perfeito: pedreiro! Passando pela ponte precisaram pescar para
poderem prosseguir peregrinando.. Primeiro, pegaram peixes pequenos, porém, passando pouco prazo, pegaram pacus, piaus, piabas, piaparas, pirarucus. Partiram pela picada próxima, pois pretendiam pernoitar pertinho, para procurar primo Péricles primeiro. Pisando por pedras pontudas, Papai Procópio procurou Péricles, primo próximo, pedreiro profissional perfeito. Poucas palavras proferiram, porém prometeu pagar pequena parcela para Péricles profissionalizar Pedro Paulo. Primeiramente Pedro Paulo pegava pedras, porém, Péricles pediu-lhe para pintar prédios, pois precisava pagar pintores práticos. Particularmente Pedro Paulo preferia pintar prédios. Pereceu pintando prédios para Péricles, pois precipitou-se pelas paredes pintadas. Pobre Pedro Paulo pereceu pintando... Permita-me, pois, pedir perdão pela paciência, pois pretendo parar para pensar... Para parar preciso pensar. Pensei. Portanto, pronto: Pararei!

(desconheço a autoria, mas daqui lhe tiro o chapéu)

terça-feira, 3 de março de 2009

Crónica: Portugal comprimido

Pareceu-lhe incrível que estivesse em plena consulta a citar uma entrevista que tinha acabado de ler na sala de espera. Uma sessão de 90 euros, para dizer apenas banalidades. Memorizava tudo o que lia nas revistas e depois debitava num arranjo floral de intenções e de trejeitos mais ou menos elegantes (que lhe pareciam mais ou menos elegantes). Deixava a cabeça ligeiramente inclinada para a esquerda como quem pede desculpa. Não era uma pose submissa, era apenas uma maneira de estar, de se fazer interessante. Tudo aquilo era uma forma de se transformar em alguém melhor: a consulta, o poder dizer que tinha um psicanalista, aquela hora roubada ao dia para se ouvir falar.
Era isso: ouvir-se falar.
Haverá certamente uma atitude terapêutica nessa enorme satisfação de ouvir alguém, mesmo alguém que debita uma vida inventada e copiada das revistas cor-de-rosa. Qual era o propósito de estar ali sentado a ouvi-la? Que resultados é que seriam de esperar? Lembrou-se dos cremes anti-celulíticos e esboçou um sorriso. Continuou a falar com aquele tom trágico, pensando que a psicanálise talvez tenha como objectivo eliminar 89% de casca de laranja, obtendo 67% de firmeza e elasticidade. Conseguia imaginar um anúncio, o consultório austero, quase sem mobília, um homem com óculos e, em letras vermelhas: “consulte-nos e perca esse peso a mais. A psicanálise ajuda”.
Algures lera que Portugal está, orgulhoso, no ranking dos países mais deprimidos. Os portugueses tomam comprimidos para acordar, para funcionar, para comer, para rir e chorar e, claro, para dormir. Ela não toma nada disso porque sabe que é meio espanhola, logo não será atingida pela depressão colectiva. Limita-se a ir ao psicanalista e sentir essa importância na sua vida social. Confere-lhe profundidade e dá-lhe mistério. Tem algum receio dos comprimidos. Uma vez experimentou uns comprimidos muito brancos, muito redondinhos e só teve vontade de chorar. Prefere inventar-se e contar mentiras. São uma espécie de vida.

(crónica publicada no Semanário Econónomico no dia 28 de Fevereiro de 2009)

segunda-feira, 2 de março de 2009