terça-feira, 30 de setembro de 2008

a dois mil pés

Não sei quantos são, dois mil pés. Agrada-me o som e essa indefinição, ignorância pura. A dois mil pés a salvação pode chegar. Ocorreu-me hoje quando cruzava o Saldanha.
O calor em Lisboa abafa.
Os trabalhos encaixam-se uns nos outros como formigas sem olhos. E o tempo a passar, infame.
A dois mil pés daqui, nas nuvens, no alto de um sonho qualquer, o mundo seria um pouco melhor e a vida mais fácil.
Retenho a ideia por segundos e depois perco-a com a facilidade das coisas vãs.
Já se sabe que há dias assim.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

segunda-feira


O dia começou com Machado de Assis. Entrei na casa Fernando Pessoa estava a Inês Pedrosa a ler naquele tom dela, delicado, cuidado e gentil. Depois foi a vez de Pedro Mexia e de Ricardo Gross. A maratona de leitura de Machado de Assis encheu-me de ternura: cem anos depois da morte do autor, as suas memórias ditas por nós, no nosso sotaque português, têm outro encanto. Nos capítulos que li, Machado conta como se apaixonou por Marcela e como gastou nela e por causa dela onze contos de réis.
A leitura é um vício. Nada melhor do que ler e reler por ser tão bom apenas ler.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

agora vou ali e já venho


Até segunda irei para outras paisagens. Podem roer-se de inveja: parto hoje para Milão para assistir ao concerto de Stevie Wonder. Levo o meu marido e um sorriso do tamanho do mundo. Bom fim de semana

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O Poeta Eucanaã Ferraz

A palma da tua mão não tem segredo...
A palma da tua
mão não tem segredo
algum. Letra em tua mão
é de nome nenhum.
Não há mistério nem mensagem
no lenho aleatório.

Tua mão tem destino noutras palmas.
Confidência, piedade, ira. Deixa que,
aberta, distribua-se ao ponto – à perfeição –
de não ser mais tua mão: pátio,
pouso necessário de quem jamais te viu.



in Dessassombro. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2001.
in Dessassombro. Rio de Janeiro: Editora Sette Letras, 2002.


vejam mais em www.eucanaaferraz.com.br/index.php

terça-feira, 23 de setembro de 2008

stress

Quantas coisas cabem num dia?
Corro para uma conversa sobre uma linha gráfica para uma colecção a criar.
Falo a cem à hora numa reunião sobre um espectáculo.
Tomo nota mentalmente para fazer uma pesquisa.
Debito um texto no computador.
Corro e corro e sou cada vez mais um personagem de BD a alta velocidade, há pedaços de mim que ficam pela cidade: se os encontrarem por aí, tenham cuidado.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

a paz a meio da tarde

No meio da sala principal da casa Fernando Pessoa está uma árvore. É um pessegueiro. Foi ideia do Sebastião que achou que "era fixe ter uma árvore carregada de poemas". A Inês está sentada no chão e enrolamos poemas de Ruy Belo e excertos de livros de Cardoso Pires. Há cestos perto da árvore com poemas para levar para casa. Há ainda um cesto para quem quiser deixar poemas.
O Francisco está em cima de um escadote a colocar folhas-poema. Há uma certa paz pela tarde enquanto vejo os meus amigos a falar sobre as coisas da vida.
José Cardoso Pires gostaria de ter visto a Inês sentada no chão.
A exposição inaugura na 4a feira pelas 18h30.

domingo, 21 de setembro de 2008

poema para domingo

E Tudo Era Possível

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer


Ruy Belo in Todos os Poemas

sábado, 20 de setembro de 2008

Mariana

A casa é uma avenida de malas com comida, roupa, papel higiénico, almofadas e papel de alumínio. A Mariana vai amanhã para Inglaterra estudar. Conversamos de coisas sem importância. Ninguém fala de tempo ou de saudade. No fim ficamos numa cápsula protectora, um abraço longo, a derramar amor. Quase chorei. Depois controlei-me e pensei que o adulto da relação tem que se aguentar. Ela aguentou-se.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

at last


Joni Mitchell canta "at last", a pintar emoções. A casa está vazia. É véspera de fim de semana, um buraco negro onde me vou enfiar.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

E, já agora, apaixonem-se pelo Jorge


Para quem gosta de desenhos, de filmes, de fotografia, por favor vá a

www.jorgecolombo.com

É nosso, está emprestados aos EUA e temos saudades

Look at him

Para quem gosta de fotografia, para quem não tem medo da fotografia, para quem ama o espectáculo, faça o favor de ir a

www.ricardoalevizos.com

O que é nacional é tão bom.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

a metafísica

Desde pequena que oiço a minha mãe falar da metafísica especulativa substancialmente nervosa da criança oprimida.
Não sei o que é. Mas sofro disso hoje pela tarde.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

pois não

O tubo é de plástico e estreito. O homem dá-me uma pipeta em forma de pêra e diz, distante, lá longe, fora do tubo

Se se sentir mal, aperte isso.

Antes de me deitar na marquesa móvel,o homem tinha-me dado uma espécie de algodão rosado para colocar nos ouvidos. Explicou que havia um ruído na máquina. Não imaginei que o barulho fosse de tal ordem que o meu coração começasse a disparar a mil, a correr pelo corpo fora, a dizer sai daqui, sai daqui. Para me concentrar comecei a contar meios minutos

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

Contei 54 meios minutos. Quando me levantei a minha cabeça estoirava. O homem sorriu

Não custou muito, pois não?

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Eu vou já para casa

Quando voltei para casa, nesse mesmo dia, ela arrastou-me para o centro comercial para uma loja especializada em electrodomésticos.

Vamos comprar um frigorífico novo, um daqueles que dá água e gelo, basta carregar num botão.

Isto foi o que ela disse quando estávamos a estacionar no parque de estacionamento subterrâneo, ali perto do sítio dos carrinhos de supermercado, entre a fila H e a fila I com uma lista amarela. Eu tinha um tremor ligeiro nos joelhos e um aperto na zona do coração. A zona onde tudo dói, onde a vida se concentra. Do lado esquerdo do corpo, acima das costelas, ali onde tenho a mão invisível que ela nunca viu. A aliança a brilhar, outra vez. Uma ligação directa do músculo da vida à mão que nos dá de comer. Uma ironia, achei eu. Quando o rádio se calou e ela abriu a porta, senti que não era capaz de me levantar, mas depois fui. Arrastei-me obediente, centímetros atrás dela, os sapatos a martelar no chão, toc toc toc, e eu numa tristeza infinita a querer desfazer-me contra o asfalto, atirar-me para cima de um carro, morrer instantaneamente, como uma fotografia digital que se apaga e despreza com a facilidade de um gesto. Sim, podia eliminar-me, mas em vez disso fiquei quieto nas escadas rolantes a ver o cabelo dela, loiro, sempre loiro, para disfarçar os 40 anos que um dia vão chegar. Dizia isto muitas vezes, ela, como uma graça sem graça. Não avisei que iria sair de casa, não avisei que voltaria. Ela sabia. Sabia antes de mim. E eu só sei agora porque no dia em que decidi sair era para pagar uma série de contas, água, luz, condomínio, e quando cheguei ao escritório as facturas não estavam na minha pasta e eu ignorei o sinal, contudo agora, sempre agora, neste momento, percebi que ela já sabia e, por isso, pagou as contas porque nunca conseguiria viver devedora disto ou daquilo. Há anos que a oiço dizer

Deus me livre de dever dinheiro!

E então vejo-a a pegar nas facturas, a retirá-las da pasta de pele castanha que ela me deu (eu que até queria uma pasta preta) e pagar com gestos lentos no primeiro multibanco que encontrou. A referência, a entidade, o pagamento. Porque eu podia não voltar naquele dia. E ela tinha razão, não voltei. Deixei-me ficar no estádio primeiro. Depois dentro do carro. Comi um hamburger na roulote do Campo Pequeno. Voltei para dentro do carro. Andei por aí, fiz os viadutos das avenidas, subi às Amoreiras e quando vi a placa a dizer margem sul, segui em frente para Cascais. Uma coisa estúpida. O telemóvel tocou e nem olhei para o visor.

Deus me livre de dever dinheiro!

Em silêncio oiço-a com a clareza de um sopro de vidro. A voz dela dentro da minha cabeça é como um disco, uma opção de atmosfera sonora, picos vermelhos e azuis num computador, como se vê nos filmes. Podem dizer que é desamor, podem criticar ou relativizar. Sou apenas mais um. E ela outra vez

As pessoas tendem a achar-se inteligentes, com bom gosto e com sentido de humor. Como se fosse possível sermos todos abençoados.

Na zona dos micro ondas, pouco antes de chegarmos ao império das arcas e frigoríficos cromados, com relógio digital, duas portas e outras mordomias, vacilo. O telemóvel toca de novo e eu sei que se atender o meu coração vai começar a bombardear, acelerado, descompassado. Dela não oiço a voz. Conheço-lhe os dedos e o riso, a forma curiosa de escrever as mensagens curtas no telemóvel. Dela sei apenas que sendo a outra com quem me envolvi, por quem deixei a minha família, é também alguém que desiludi. Arrastei-a numa esperança louca.

Contigo será diferente. Vou-te fazer feliz. Tão feliz. A nossa medida de felicidade não terá fim.

Reconheço que fui eu que comecei a namoriscá-la. Fui eu que a envolvi num abraço depois de uma noite de copos. Fui eu que não voltei para casa naquele dia rumo a Cascais para a ver, para a sentir, para estar junto dela num mundo que nem sequer é meu. A banalidade cor-de-rosa de tudo isto é assustadora. Homem casado envolve-se com mulher divorciada.
E era fácil acreditar na possibilidade daquela nova relação, sedução e glamour, lingerie e álcool. Durante umas horas, enquanto o sono não vinha. Dentro desse adormecer de cansaço lá estava a minha mulher, a minha mãe, a minha filha, a minha casa, a minha prestação ao banco, a minha rua, a minha roupa, a minha vida. Duas semanas depois entrei em casa com a mesma chave de sempre. A minha casa, a minha porta, a minha mesa, a minha cozinha. Ninguém disse uma palavra durante um pouco. Lavei os dentes. Na minha casa de banho. De regresso à sala passei as mãos pelos cabelos da minha filha que continuou a olhar para a televisão, comando na mão, as unhas pintadas de cor-de-rosa. E ela disse


Vamos comprar um frigorífico novo, um daqueles que dá água e gelo, basta carregar num botão.

Agora a outra, a mulher do riso gigante, cuecas no chão do carro, frases compreensíveis e sensatas, tenta falar-me. E olho para o telemóvel, para a mulher loira que faz perguntas ao empregado com um ar empertigado que sempre me irritou (houve uma altura em que o achei adorável), viro as costas e atendo

Eu vou já para casa.

domingo, 14 de setembro de 2008

por um instante

Se agora ela desatar a chorar ninguém dá por isso. É um instante apenas. Como uma onda que rebenta solitária. Não há razões específicas. A mulher afoga-se no cansaço de ser e permite-se chorar. Não é grave porque ela decidiu que não seria grave. Simplesmente.

sábado, 13 de setembro de 2008

regresso

O carro atulhado de coisas, os miúdos a embirrar e a rádio mais alto do que seria desejável. Estamos todos à espera de uma canção que possamos berrar para a auto estrada enquanto regressamos a casa. Na segunda feira voltamos à vida real a cores. É o fim do Verão, diz, triste, um dos miúdos para, horas mais tarde, explodir de alegria por estar em casa, a nossa casinha. Para rematar cantamos os Xutos

As saudades que eu já tinha da minha alegre casinha...

Para o ano há mais.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

adeus até ao meu regresso

Estou num spa que Deus me deu no sul de espanha.
Regresso a 15.
Até já.