Dizem que a comunicação social está em crise. Gradualmente, accionistas angolanos rondam os baluartes da nossa sofrida democracia, milionários que perderam muito dinheiro na banca e na bolsa. Em nome do negócio, os jornais portugueses estão prontos a prostituir-se. Quem paga mais? E se for o senhor do petróleo e dos diamantes? Teremos qualquer dificuldade em aceitá-lo no conselho de administração, apesar de ser contra a liberdade de expressão, a riqueza generalizada e a justiça social? Porque não? Afinal, o que se passa na terrinha do futuro accionista, mala louis vuitton e relógio dourado a condizer, é indiferente à nossa realidade. Está longe, tão longe que não faz mossa.
Tudo isto é que eu deveria dizer hoje na reunião, mas só de pensar que o meu emprego é tão precário como o dos outros, prefiro o silêncio eloquente de quem “come e cala”. Ali ao lado, no outro grupo de media, são mais cem que irão para a rua num despedimento colectivo cujos contornos de desgraça posso apenas imaginar.
Perdoem-me, mas serei um delegado sindical como todos os outros: muita conversa, tentativa e depois negociação. Ameaçar não serve de nada, não tenho com que ameaçar. Vou dizer o quê? Se não aceitarem as nossas condições faremos greve? Numa redacção com tanta gente o jornal aparecia na mesma, estou certo. Nem que fosse preciso recorrer às agências de notícias e outras coisas que para aí há.
Temos de ser compreensivos. O patrão perdeu dinheiro. O patrão investiu mal. O patrão viveu na ilusão, a tal ilusão que não ilude o Presidente da República, ele que é um homem sério e estruturado na verdade das coisas. Nuas e cruas. Nada de ostentação ou de sonho. Tudo isso pode levar – leva, fatalmente – a rescisões amigáveis (ou nem por isso) e à aceitação de accionistas menos... Como dizer sem ir parar a uma lista negra qualquer? Bom, accionistas menos nacionais, mais tropicais. Que importa que esses accionistas sejam o contrário do que a comunicação social deveria ser? Ah, balelas em pleno século XXI não ficam bem. A democracia é isso, podermos ter como sócios quem quisermos, mesmo que sejam o exemplo máximo do Mal que um dia combatemos. A memória é tão curta e, no fim de contas, a crise deve ser um bom negócio. O patrão irá ganhar novamente. Investir e, depois sem resistir a uma tentação, o patrão irá iludir-se. E tudo volta a ser como dantes. Ou não.
(Crónica publicada no semanário económico de 31 janeiro de 2009
Figueira da Foz, 5 de Março
Há 15 anos