Meu amor
Aqui são cinco da manhã. Faz calor lá fora. Não vi ainda o céu mítico e azul de Brasília. Há um oleado cinzento de tristeza que cheira a saudade. Hoje a Adriana Calcanhoto cantou as nossas músicas todas e eu senti que as lágrimas seriam maiores do que o lago artificial que Lúcio Costa imaginou para este fim de mundo. As pessoas são gentis. São carinhosas. Há qualquer coisa de nos prende, a espontaneidade, a coisa física do toque. Vou coleccionado histórias para te contar. A do maestro, meio zonzo, às escuras no quarto que se despe e julgando entrar na casa de banho sai para o corredor do hotel e a porta do quarto se fecha. A do advogado que salvou duas mulheres que mataram os maridos (uma delas matou o desgraçado com sete machadadas). A da ex que fica rindo do ex e da actual. A das filhas menores que pregam partidas e ficam "inventando rolos". A da cocaína brasileira que é de menor qualidade por razões insuspeitas, embora cientificamente comprovadas (olha o advérbio de modo!). A do escritor que "deu" para todas e mais umas e descobriu que, afinal, o sexo não tinha o menor prazer. Prazer era apenas e só a sedução. A do vice presidente que esteve 17 horas na sala de operações e de todas as conspirações políticas para o substituir. A do homem que, depois de 18 anos de casamento, se divorciou e decidiu tirar um curso de massagens de dois anos com o objectivo único de dar prazer às mulheres. Da Inês que respondeu brilhantemente a tudo, mesmo às nove da manhã a jornalistas que não devem nada à cultura. Do silêncio do quarto e da falta enorme que me fazes.
Vou tomar um comprimido para dormir e esperar acordar depois do meio dia. Irei, de seguida, comer um "misto quente" e um "suco" de abacaxi com hortelã. E o programa continua. The show must go on, não é? É o que dizem.
Beijos de amor
Figueira da Foz, 5 de Março
Há 15 anos