Sócrates olhou à sua volta, suspirou, sentiu saudades do candeeiro com asinhas que uma vez compusera o seu gabinete. Ninguém imagina o trabalho que isto dá, pensou filosoficamente. Na mesa, entre um cinzeiro que já não usa, desenhado pelo Siza, e uma caneta de ouro, oferta da mãe aquando da sua vitória, estava um dossier com as sondagens do mês. Índices de popularidade, de eficácia de comunicação, de aprovação e chumbo. Podia mudar o Ministro da Cultura, mas não posso. O Berardo gosta dele. Podia mudar a Maria de Lurdes para a Saúde, mas o lobby dos médicos e das farmácias caia-me em cima. Podia promover alguém inteligente, alguém que fosse passível de receber elogios do professor Marcelo ao domingo à noite. Também podia ligar ao Durão Barroso e ver qual a viabilidade de um cargo internacional. Seria bom mudar de ares. O António Guterres com aquela coisa dos refugiados já tem uma foto com a Angelina Jolie. O máximo que eu tenho é um ídolo desportivo, lamentou-se Sócrates, prosseguindo no seu monólogo interior. Nem vale a pena pensar nisso. Entregara a sua liberdade ao partido, a uma ideia melhor.
Nisto o telefone piscou, um telefone diferente dos outros e Sócrates voltou a suspirar. Atendeu com os salamaleques devidos e pela janela observou dois polícias fumando um cigarro. Isso é proibido, apeteceu-lhe gritar, mas absteve-se, de nada servia. Desligou o telefone com palavras de compromisso, eficazes, funcionais, pragmáticas o suficiente para lhe conferir autoridade a si e ao seu posto. O país não o compreendia. Era triste. O olhar pousou novamente nas sondagens. Tanto trabalho para quê? Para ganhar um lugar na História, não tinha dúvidas sobre isso. Agora que já ninguém questiona a licenciatura e outras coisas menos simpáticas, será que já tenho o meu poiso ao lado do Mário Soares e afins? Ou será que ainda tenho que me esforçar mais? As sondagens olhavam de frente, curvas descendentes, incompreensíveis, a rirem-se para ele, a dizerem: vai trabalhar, pá.
(Crónica publicada no Semanário Económico a 17 de Janeiro de 2009)
Figueira da Foz, 5 de Março
Há 15 anos