terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Crónica: Isso agora não interessa nada

A cultura é muito complexa. Não tenham dúvida sobre isto. Não basta ter dinheiro. É preciso ter pessoas, as pessoas certas, os especialistas que nos aconselham. Ouvi-los. Ouvir é simpático. Pagar-lhes, ouvi-los, segui-los – deste modo, no futuro imediato, não irão para os jornais dizer mal de nós, do nosso gabinete, das nossas pobres ideias. O ideal na cultura é contratar meia dúzia de iluminados e deixá-los ter várias ideias para podermos dizer que são nossas. Ideias que se transformam em vários milagres de euros de que os mesmos especialistas precisam para pensar, teorizar, para fazer performances e exposições extraordinárias que não são para o povinho, mas enfim, quem quer dar cultura ao povinho? O povinho tem a cultura do centro comercial, tem as festas da cidade e o reveillon no terreiro do paço, tem o futebol aos domingos no estádio e todos os dias na televisão. O povinho quer lá saber da cultura. Sobretudo a dos especialistas, tão conceptual e profunda, tão cheia de si e de mais cinco que são os amigos que os especialistas têm. Contratei-os com a mesma legitimidade dos meus antecessores. Aprendi com Frank Sinatra: o que faz uma grande estrela é cantar sempre a mesma coisa. Eu fui buscar os mesmos especialistas. Torna tudo mais fácil. E a comunicação social já os conhece, sabe quem são, têm créditos no mercado, para quê pensar eu, pobre de mim, em ideias inovadoras? Não há nada que seja original, até eu sei esta citação, julgo que de uma autora francesa qualquer. Como diz a Teresa Guilherme, isso agora não interessa nada. Tenho as propostas sábias e milionárias, sei o que dizer graças a esta assessora nova, discreta, com a qual ainda não embirrei e o ano começa bem. Muito bem. A cultura afinal não pode ser mais difícil que a educação. Claro que para educar é preciso cultura. Ou será ao contrário? O melhor será escovar o cabelo para irrigar o cérebro e rezar para que não me façam perguntas difíceis e para que me reconheçam, já agora. É terrível para a auto estima ser-se confundida, sobretudo quando se dá tudo pela Administração Pública.

(Crónica publicada no Semanário Económico de 24 de Janeiro de 200))