quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Eu não sou o Mexia

A minha ficção
O António Mexia andava atrás de mim pela casa a gritar: “Acenda as luzes, acenda as luzes! Preciso que gaste o seu dinheiro, caramba. Preciso de facturar!” Eu, espantada perante o assédio do presidente da EDP, julgava-me segura no sossego do lar, mas o homem, com fato e gravata da moda em tons de roxo, corria atrás de mim sem se despentear. O meu coração pulava descompassado. As minhas mãos iam apagando as luzes do corredor. António Mexia, na perseguição, voltava a ligar tudo, focos e focos de luz como num palco. O homem estava quase a alcançar-me e eu gritava por socorro, apagava as luzes e fugia, fugia como quem foge da morte. O corredor não tinha fim, António Mexia aproximava-se com um computador debaixo do braço e berrava garantindo-me que tenho de aderir às facturas enviadas por email, que era imperativo gastar mas, em simultâneo, salvar o planeta, aderir ao contador bi-horário e ainda sorrir e votar no partido socialista. Tudo ao mesmo tempo como uma refeição de restos. Continuei a fugir e a pensar no Sócrates e na necessidade de investimento público, na pouca fé da Manuela Ferreira Leite na democracia, no Mia Couto a dizer que se o Obama fosse africano não era preto, era mulato. Várias coisas ao mesmo tempo, como é próprio dos pesadelos. Acordei com o coração aos pulos e vi, uma última vez, o bem vestido e comportado António Mexia, presidente da EDP, a cantar: “we got the whole world in our hands, we got...”
Dois dias depois, um psiquiatra amigo, a rir, disse-me que eram os sonhos próprios da crise. Perguntou-me quanto gasto em electricidade e se estava a pensar em poupar. Respondi de forma evasiva, ainda tinha a imagem do António Mexia a correr atrás de mim. O meu amigo, sábio e conhecedor dos pequenos dramas do cérebro humano, acrescentou com pesar que também há professores que sonham com a ministra da Educação e que precisam de muita medicação para sobreviver a tanta mudança, avaliações e outras tantas limpezas. Para me confortar, pensei: “O Mexia sempre é mais giro”.
Uma vez em casa comecei a ver a quantidade de luzes acesas: na sala, nos quartos, na cozinha e numa série de aparelhos que piscam luzes vermelhas, verdes ou azuis. Desatei a refilar com os meus filhos, tão desprendidos da realidade e do cenário de crise mundial. O pesadelo deve ter reaparecido no meu inconsciente (esse sim, a precisar de bastante iluminação) e dei comigo a ralhar: “Apaguem as luzes, eu não sou o António Mexia!”.

(crónica publicada na edição do Semanário Económico de 29 de Novembro de 2008)