O homem teve um sonho. Não era um sonho como o de Barack Obama, do Nelson Mandela ou, para quem tem memória dessas coisas, do Martin Luther King. Nada disso. O sonho do homem era resolver o problema do Partido Social Democrata. Acordou com essa decisão tomada, era urgente, crucial, cumprir-se um plano para Portugal. Alguém teria de o fazer. O sonho dizia-lhe que era ele e só ele. Não se tratava de eliminar a Manuel Ferreira Leite ou o Luís Filipe Menezes - isso seria praticar um lógica simplex do Primeiro Ministro e o nosso homem não tinha nenhuma intenção de seguir essa linha de pensamento. O projecto era maior do isso: reabilitar o PSD, torná-lo uma força, uma potência geradora de ideias. Não com ideias sexy, como parecem querer vender no Partido Socialista, mas sim com ideias fortes, passíveis de construir um futuro melhor e mais feliz.
Na sua sala de paredes laranja, com um busto de Sá Carneiro e outras alusões ao universo do partido, o homem começou a escrever uma lista de potenciais candidatos. Ao fim de pouco tempo, desistiu e optou por enumerar as características carismáticas de um futuro líder. Aquilo que deveria procurar dentro do partido, junto dos militantes com e sem quotas pagas, qualquer um servia.
Na sua folha branca principiou a lista de qualidades que com alguma facilidade podemos imaginar. Não querendo um líder como Obama ou um personagem demasiado economicista (o episódio Manuela Ferreira Leite ainda o atormentava), o homem decidiu ser pragmático, sem deixar de ser crédulo. Um líder de oposição de jeito, com potencialidades para governar o país a médio-longo prazo. Escreveu meia dúzia de palavras, meditou, coçou a cabeça, hesitou e, por fim, num acto de derrota, abandonou a caneta e amarrotou a folha. Percebeu que o sonho tinha terminado. Estava perante o vazio. Levantou-se, passou pelo busto de Sá Carneiro, e teve vergonha. Seguiu caminho sem o olhar, como um menino de castigo na escola.
Crónica publicada no Semanário Económico dia 6 de Dezembro de 2008
Figueira da Foz, 5 de Março
Há 15 anos