quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Byblos

Dois homens do lixo empurravam diligentemente os seus carrinhos pela rua, ali perto das Amoreiras. Junto à montra da Byblos, decidiram partilhar um cigarro.
- Estes fecharam.
- Ah sim?
- Li para aí num jornal que alguém deitou fora.
- E fechou porquê?
- Por falta de verbas.
- Então, mas o dono não era rico?
- Isso não sei. Parece que o investimento foi muito grande.
- Pois, quem tudo quer, tudo perde.
- É uma livraria.
- Sim, e quem tem tempo para livros?
- Eu não.
- Eu também não.
- Aqui na montra havia uma espécie de computador, para encomendar livros e ver o que os que tinham.
- Muito à frente.
- E olha que a loja era muito grande, até tinha um restaurante lá em cima.
- E as pessoas que trabalhavam aqui?
- Foram para o olho da rua.
- Pois, e têm fundo de desemprego? O meu cunhado viu a empresa falir e ficou sem um tostão, o patrão nunca tinha pago nada à Segurança Social.
- Deve ser da crise.
- Qual crise? Eu desde que me lembro que oiço falar da crise. E já tenho 44 anos.
- Mas agora está pior. Tu não vês os jornais? Os bancos a precisar de dinheiro do Estado, a economia na Alemanha que anda mal... Até os Estados Unidos. Tiveram esta reviravolta com o Obama, mas o homem não vai fazer milagres de um dia para o outro.
- Eu cá acho que o vão matar.
- Achas?
- É cá uma ideia que eu tenho.
- Pode ser.
- É por isso que é importante saber quem é o vice presidente.
- Esse não sei quem é.
- É um branco, já entradote, Joe qualquer coisa. Já tinha tentado candidatar-se a presidente e não teve sorte.
- Hum. A América fica longe.
- Muito longe.
- Ainda bem.
- Porquê?
- Porque já temos problemas que cheguem. E os americanos são muitos.
Os dois homens continuaram rumo ao Largo do Rato. Os carrinhos a hesitar pela calçada, gemendo levemente. Fazia frio em Lisboa, coisas de Janeiro. Passou um cão castanho e branco que os farejou e eles sorriram. Os restos das iluminações de natal não lhes valeram considerações e, por isso, não falaram mais nessa noite. Não era preciso.