sábado, 28 de fevereiro de 2009

Crónica Feminina Inês Pedrosa na edição de hoje do Expresso

O ataque dos respeitáveis

Fui católica durante tempo suficiente para saber que o catolicismo, quando genuíno, não distingue as pessoas segundo «estatutos», sejam eles de «respeitabilidade» ou de outra coisa. Pelo menos não foi essa a mensagem de Cristo, que nos recomendava a simplicidade e a compaixão, que perguntava se algum de nós tinha o direito de atirar uma pedra a quem quer que fosse, e que nos aconselhava a olhar para a trave que tapa os nossos próprios olhos em vez de nos arrogarmos o direito de tirar argueiros dos olhos alheios. Por isso estranhei estas palavras de Maria José Nogueira Pinto, no Diário de Notícias( 19.2 ): « Na busca de um estatuto de respeitabilidade, os homossexuais exigem um símbolo suficientemente forte para afastar os fantasmas da diferença, da discriminação implícita, de uma situação apenas consentida, do medo da homofobia, da suposição do desprezo, da condescendência hipócrita». Na minha candura, pensava eu que, hoje, e no mundo ocidental, as pessoas casavam por amor ou, na pior das hipóteses, na esperança ( ingénua, mas bonita) de que o compromisso assumido as ajudasse a manter vivo esse amor – e tenho pena desses seres, se é que eles existem, que casam para adquirir «um estatuto de respeitabilidade». Pobre estatuto. Tristes existências.
Os homossexuais portugueses que sonham com o casamento (conheço vários, alguns deles até já casados pela lei de outros países), desejam-no pelas mesmíssimas razões que os heterosexuais: antes de mais, porque se amam e querem celebrar publicamente um compromisso de vida em comum. Além disso, querem assumir os deveres e direitos que o casamento concede – e são importantes, esses deveres e direitos, designadamente no que se refere a propriedades, assistência na doença ou heranças. Todos sabemos de casos de famílias que desprezaram e abandonaram um dos seus filhos ( ou filhas) por causa da sua homossexualidade, e que, depois de morto o pecador, aparecem para lhe ficar com todas as posses – enquanto a pessoa que com ele partilhou a vida, os problemas do quotidiano e a doença fica espoliada de tudo, a começar pela casa que era morada do casal. É isto humano? É isto admissível, no século XXI? É isto cristão?
Aos veladores das aparências mais modernaços, preocupa-os sobretudo a palavra. A contaminação a que a palavra «casamento» seria sujeita, pelas «anormais» práticas sexuais das pessoas que se apaixonam por pessoas do mesmo sexo. Que D. José Saraiva Martins diga que as relações sexuais destas pessoas não são «normais» parece-me, embora tonto, normal. Um dos problemas da Igreja Católica é que os seus sacerdotes são supostos professar a mais absoluta ignorância em matéria de sexo – o que os torna naturalmente desabilitados para se pronunciarem sobre esse tema central da natureza humana. Eu, graças a Deus, não sei o que é «sexo normal». Lastimo, aliás, a excessiva «normalização» do sexo, que o deserotiza, transformando-o numa maratona entediante, em vez de um fulgurante caminho para os mistérios do conhecimento e do prazer. Se Deus quisesse que fôssemos asexuados e deserotizados não nos teria feito nascer, a todos, do acto sexual. E se Deus entendesse que o sexo serve apenas a reprodução não nos teria criado com sentimentos e com um sentido erótico da vida ( que se prende com o conhecimento da morte e que nos distingue dos restantes animais). Isto, claro, para quem acredita em Deus. Quem não acredita, limita-se a constatar a prodigiosa diversidade dos homens e das mulheres – e, no início do século XXI, tem obrigação de já não se incomodar com as decisões de cada um no que respeita à sua vida privada.
Entretanto, convém relembrar aos católicos menos cristãos e mais preocupados com o culto das aparências do que com a verdade dos corações, que já existe um outro nome para o casamento católico: chama-se «matrimónio sagrado». Relembrar-lhes também que, na sociedade laica em que vivemos, não lhes assiste o direito de privar ninguém do direito a casar, civilmente, com quem entender. E explicar-lhes que as demagogias comparativas com a poligamia ( já agora, porque não com a poliandria?) não colhem, pela simples razão de que não é esse o modelo da nossa civilização, que radica no direito à auto-determinação individual ( vulgo, liberdade), o que implica equidade nas relações humanas. Não está provado ( pelo contrário), que a poligamia nasça da livre escolha – que as mulheres em causa nunca tiveram. E isso faz toda a diferença.