A minha tia avó morreu na sexta-feira. Eram cinco da tarde e a cozinha cheirava a muamba, quiabos frescos, galinha, beringelas e courgettes numa sopa de óleo de palma e outras coisas. A minha mãe telefonou e eu rumei ao Alentejo. Eram seis e um quarto. Levei o disco novo Camané...
Sei de um rio, sei de um rio... na minha boca.... até quando...
e claro que ele não sabe, mas ouvi a faixa oito até chegar a Beja, interruptamente, o meu indicador a puxar a música, a exigir um novo começo. Quando a minha tia Chica morreu fui ao Alentejo com o meu tio e ouvimos Marisa Monte. Há uma música que eu associo a essa morte, uma coisa que diz:
abululou, e a saudade vem...
Agora tenho o Camané.
Quando cheguei à nova casa mortuária vi o tique que nos une. A minha avó, a minha mãe e eu é igual ao mesmo gesto: depenicar a pele do polegar com o indicador, puxa, puxa, puxa até ferir. São os nervos mudos.
Houve uma questão com o coveiro, outra com o homem da funerária. Fazia muito calor. Decidiu-se, por fim, que a minha tia seria enterrada na campa onde está a minha outra tia, a minha bisavó e o meu bisavô. Eu disse:
- Sempre põem a conversa em dia.
O meu pai riu-se. Fazia imenso calor e na minha cabeça o Camané continuava:
Sei de um rio, sei de um rio...
Figueira da Foz, 5 de Março
Há 15 anos
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