sexta-feira, 30 de maio de 2008

thank god is friday

Tenho uma dor contínua e longa que começa na cabeça e se estende, orgulhosa, até ao rosto do corpo.
Consigo - por causa dela - designar os 206 ossos que tenho no corpo.
Amanhã não estou para ninguém.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

viajar na maionese

Ela disse:

- Podemos colocar um poço cheio de cobras, um touch screen com um questionário, uma parede para escalar ou ainda um templo maia que desaparece no nevoeiro.

Ele respondeu:

- Podes viajar na maionese o que quiseres, depois fazemos um orçamento e caimos todos na real.

Palavras para quê?

terça-feira, 27 de maio de 2008

sms pela manhã



O meu marido mandou-me um sms pela manhã:

Coração, morreu o Sydney Pollack, cancro fulminante, foi-se em 10 meses.

Foi a primeira coisa que soube hoje. Estou de luto.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

cat power


Hoje à noite no coliseu a ex namorada de Jeremy do filme de Wong Kar Wai não fumará cigarros e não ficará ao frio a pensar no que teria sido se tudo tivesse sido diferente.
Cantará com aquele fio de alma que nos transporta para a melancolia das coisas.
Chan Marschall leva-nos onde Jony Mitchell nos leva: ao mais fundo de nós, àquele sítio onde não nos sabemos crescidos.
A mim dá-me para chorar.

domingo, 25 de maio de 2008

da enorme importância de se chamar Indy


Os miúdos voaram nas cadeiras, sobressaltaram-se, encolheram-se e até suspiraram perante o verdadeiro amor:

- They weren't you, honey!

Porque a seriedade é sobrevalorizada e a tristeza é demasiado forte, aqui se faz a apologia de Indy, um herói que ficou com o nome do cão. Os miúdos agradecem.

sábado, 24 de maio de 2008

hoje à noite com o meu pai


O meu pai é um homem grande, generoso, obssessivo, brincalhão, teimoso, superiormente inteligente.
Conclusão: o meu pai não é o Calimero.
Eu gosto muito do meu pai.

(esta postagem só fará sentido para quem ler o comentário da postagem anterior, para quem não tem acesso, lamento, azarinho)

hoje de manhã com a minha mãe


Na minha mala da minha mãe há uma lixa específica para as unhas.
Uma água de colónia nova, dois telemóveis de redes diferentes, uma carteira, um baton, chaves e um espelho pequeno.
Não há rebuçados, mas podia haver.
No carro dela, a caminho do novo museu do Oriente, ouve-se rádio ou, mais tarde, Mayra Andrade em francês (e a minha mãe canta baixinho para não dar nas vistas, ela é assim). Admiramos as máscaras, os pagodes, as tapeçarias, as caixas de chá e corremos atrás dos miúdos que lêem nas paredes coisas sobre os biombos namban e a chegada dos portugueses ao Japão, a história de Macau e as tradicões no Vietnam.
Vimos tudo na escuridão que o museu oferece de dedo dado, porque não damos a mão, apenas o dedo mindinho de uma enfiado no dedo mindinho da outra, uma pequena amarra.
Não sei quantas pessoas podem visitar os museus com as mães, não quero pensar nisso, deveria ser consagrado na lei como um direito e dever.
Faz-nos bem.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

onde quer que estejas

Just before our love got lost you said,
"I am as constant as a northern star."
And I said, "Constantly in the darkness
Where's that at?
If you want me I'll be in the bar.
" On the back of a cartoon coaster
In the blue TV screen light
I drew a map of Canada Oh Canada
With your face sketched on it twice
Oh, you are in my blood like holy wine
You taste so bitter and so sweet
Oh I could drink a case of you, darling
And I would still be on my feet
I would still be on my feet.
Oh I am a lonely painter
I live in a box of paints
I'm frightened by the devil
And I'm drawn to those ones that ain't afraid
I remember that time you told me, you said,
"Love is touching souls"
Well surely you touched mine
'Cause part of you pours out of me
In these lines from time to time
Oh, you're in my blood like holy wine
You taste so bitter and so sweet
Oh I could drink a case of you, darling
And I would still be on my feet
I would still be on my feet

I met a woman
She had a mouth like yours
She knew your life
She knew your devils and your deeds
And she said,
"Go to him, stay with him if you can
But be prepared to bleed"
But you are in my blood
You're my holy wine
So bitter, Bitter and so sweet
Oh, I could drink a case of you, darling
And I would still be on my feet
I would still be on my feet.


Case of you by Joni Mitchell

quarta-feira, 21 de maio de 2008

oração pela manhã

Prece
Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu!. Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo está - (o teu templo) – eis o teu corpo.
Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.
Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa parecer diante de ti como um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.
Senhor, protege-me e ampara-me.
Dá-me que eu me sinta teu.
Senhor, livra-me de mim.

Fernando Pessoa in Eu Profundo

terça-feira, 20 de maio de 2008

eu entre as nuvens

Hoje andei entre as nuvens ali perto do saldanha.
Ninguém reparou em mim, mas posso garantir que estive bem lá em cima, perto daquela massa cinzenta carregada de chuva.
Chorar assim dá menos nas vistas.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

lista de coisas para fazer esta semana

Ir ao Butão.

Subir às pirâmides com os miúdos.

Dormir numa tenda, na selva, em África como nos filmes.

Ser surpreendida.

Cantar à volta de uma fogueira na praia, outra vez.

Rebolar no sofá novo com o meu marido.

Rir às gargalhadas com os miúdos.

Ler um livro maravilhoso

E citar Álvaro de Campos com energia: "que nenhum filha da puta se me atravesse no meu caminho"

domingo, 18 de maio de 2008

a ronda da noite






Teria gostado de entrar na sala de cinema de braço dadocom a Agustina e a Inês. Ficariamos em silêncio a sentir o amarelo que está vivo; o vermelho que solidifica, que seca e faz crosta. O filme de Peter Greenaway teria sido um bom pretexto. Há três anos falámos em ir a Amesterdão ver o quadro de Rembrandt. A vida pregou-nos uma partida. Quilómetros e quilómetros depois. Não tivemos sorte.

sábado, 17 de maio de 2008

Camané no Coliseu


"E a minha boca
até quando
ao separar-se da tua..."

sexta-feira, 16 de maio de 2008

a gorda

Entrámos os dois no museu em Veneza, abandonando a Piazza di San Marco com os pombos e os turistas. Tinha acabado de chegar a chuva. A exposição de Lucien Freud estendia-se pelas salas, mas tu ficaste em frente à gorda e disseste que precisavas de um momento. A verdade de tudo aquilo deixou-nos mudos. E depois havia também a crueza de se ser apenas humano.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

já somos europeus

O casal saiu do restaurante e chovia. Como se nada fosse continuaram no seu caminho, as árvores pingando nos casacos, evitando as poças, mas sem acelerar o ritmo da marcha. Ele disse:

- Vês? Já somos europeus, já caminhamos à chuva.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

memória

É apenas uma frase sobre a memória, disse ele. E acrescentou: Ficamos pela saudade.

No quarto escuro, no mais breve silêncio, ela assentiu: Ficamos pela saudade, então.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Dizem as revistas

- Tu sabes, não é? As revistas dizem que o teu marido tem um caso com outra e tens mesmo de fazer alguma coisa. Quer dizer, com que cara é que entras no cabeleireiro? No primeiro dia, quando saiu a revista, foi um corropio de telefonemas, nem imaginas! Eu fiz imensa conversa e até contei como ele um dia bateu com a porta, como a nossa vida sexual era equivalente a um zero redondo e gigantesco. Tive tantos votos de simpatia! Se elas soubessem... Agora não interessa, não achas? O nosso querido está escondido na geladeira e as vizinhas acham que foi em negócios para Luanda ou com a outra, a da televisão. Pouco importa. Agora está sossegadinho ali na cozinha e nós, tu e eu, temos o poder absoluto sobre o comando de televisão. Adeus ao Benfica, adeus aos raillies e formúla 1. É muito melhor assim. Os fotógrafos continuam a rondar a casa, afinal ele era tão famoso, mas eu não me deixo abalar. Sou a sua mulher, uma vítima. Faço bem de vítima, não faço, meu querido?

O gato espreguiçou-se no sofá vermelho com almofadas tigreza. A vida era bela.

ontem à noite no Coliseu


Smile though your heart is aching
Smile even though its breaking
When there are clouds in the sky, youll get by
If you smile through your fear and sorrow
Smile and maybe tomorrow
Youll see the sun come shining through for you

Light up your face with gladness
Hide every trace of sadness
Although a tear may be ever so near
Thats the time you must keep on trying
Smile, whats the use of crying?
Youll find that life is still worthwhile
If you just smile

(Agora, se for o vosso dia, experimentem sem letra)

domingo, 11 de maio de 2008

Israel 60


Nas ruas de Jerusalém a paz não é uma interrogação. Há ali uma intensidade que desconhecemos. Do bairro judeu ao bairro árabe as diferenças são abismais. No santo sepulcro os soldados misturam-se com os turistas. Não se fala de guerra; não se promove a paz. Reza-se. Reza-se na mesquita, nas igrejas, em frente ao muro das lamentações. Reza-se de uma forma outra. A intensidade da pequena cidade pode levar à loucura, ao chamado síndrome de jerusalém. Ver o Senhor, ouvir o Senhor, ser o Senhor.
Israel existe há 60 anos. Existirá mesmo?

sábado, 10 de maio de 2008

when harry met sally



"When you discover you want to spend the rest of your life with someone, you want the rest of your life to start as soon as possible".

Hoje no canal hollywood para quem não resiste a acreditar na hipótese do amor, com problemas "on the side".

sexta-feira, 9 de maio de 2008

um homem é um homem, um rato é um rato

A equipa de filmagem ocupava ruidosamente o restaurante. Era o último dia de filmagens. Havia cansaço e satisfação; stress acumulado e bonomia. No fim, alguém pediu uma aguardente.
O operador de camara disse com algum desprezo na voz:

- Ah, não gosto disso.

O técnico, as tatuagens a sairem das mangas da t-shirt, franziu as sobrancelhas e concluiu animado:

- Pois, por isso é que um homem é um homem e um rato é um rato.

As gargalhadas ouviram-se na rua.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

esqueci-me

O miúdo não tinha as partituras para a aula de piano. Esquecera-se. Uma coisa natural.
A mãe estacionou à porta de casa e disse-lhe:

- Corre lá acima e traz a pasta do piano, estamos atrasados.

O miúdo foi, com os atacadores do sapatos a bailar nas pedras da calçada.
Eram cinco e vinte sete. Faltavam três minutos para a aula começar.

O miúdo regressou e a mãe arrancou apressada.
Quando chegaram à aula de piano o miúdo fingiu trazer as partituras: na verdade trazia na mão riscada com caneta azul um conjunto de folhas da aula de geografia.
A mãe apercebeu-se da situação e perguntou:

- Então... as partituras?

- Esqueci-me.

A mãe ficou em silêncio.
A aula tinha de começar.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

o email

Patrícia, querida, a aventura sumiu.

Foi o que o meu amigo escreveu hoje de tarde. Eu tinha perguntado se na vida dele havia sexo, aventura e rock and roll em quantidade suficiente. Era uma pergunta sem peso, pelo menos, sem aquele peso que a resposta assumiu. A verdade atacou-me de repente e fiquei presa na frase:

Patrícia, querida, a aventura sumiu.

terça-feira, 6 de maio de 2008

tu não sabes

Podias até compreender, na extensão estranha da noite, todos os meus sobressaltos.
Podias interromper por momentos os pensamentos mais estranhos.
Mas agora é tarde e tu não sabes nada de mim durante a noite.
Pouco importa.
Afinal, vivemos de dia.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

my blueberry nights


A luz vermelha bate-lhe no rosto e rasga-nos o coração. Não é a minha parte preferida, mas deixo-me ir na história e na música, Otis Reding no seu melhor. Gostei quando Sue Lynne pede a Lizzie para colocar a conta de Arnie à vista, presa no balcão, como habitualmente. Nesse momento perdi o controlo e afoguei-me numa tristeza infinita que até hoje.