O meu marido era meu amigo. Não havia ainda essa legitimidade do amor anunciado e depois formal, números coincidentes, ligações, moradas, impostos.
Chovia muito naquele dia. Tínhamos almoçado risotto de legumes num restaurante junto ao rio. As horas perderam-se sem saberem.
Quando corremos infantis na direcção dos carros, a chuva inundava os nossos passos. Ele pediu: “Entra no meu carro. Tenho uma canção para ouvires”. Era “A Case of You” de Joni Mitchell, escrita um ano depois de eu ter nascido.
(...)Oh you are in my blood like holy wine
And you taste so bitter but you taste so sweet
Oh I could drink a case of you
I could drink a case of you darling
Still Id be on my feet
And still be on my feet (...)
Ouvimos em silêncio. Os vidros cobertos de lágrimas de chuva. A música a apertar a minha garganta, o embaciar dos olhos.
No fim, no silêncio de tudo, desfiz-me: “O que eu precisava era de um bom beijo”.
Gentil, com as duas mãos, o meu futuro marido pegou-me no rosto e deu-me o nosso primeiro beijo.
(texto publicado na Time Out na edição de hoje)
Figueira da Foz, 5 de Março
Há 15 anos