I
E depois, um dia, nunca mais vais acordar. A última imagem nos teus olhos serei eu, eu a sorrir ligeiramente, como um gato manso. Num acaso irónico estarás na cama onde, tantas noites, me tomaste despida. Aproximar-me-ei devagar, em silêncio. Não terás tempo de dizer nada, o reflexo do teu corpo nos meus olhos. E depois, deixo cair a cabeça para a direita, acerto a vista, a direcção, adeus querido.
II
Permaneço a mesma. O meu corpo não se desfez depois do teu. Não me importo com a prisão, atormentam-me apenas as marcas que me deixaste: a tatuagem na orelha esquerda e o brinco de prata que me enfeita o nariz. Todos os dias, em frente ao espelho, tu sorris, plantado no meu rosto em dois sinais impossíveis de apagar. Quem me dera ter-te morto por inteiro.
Figueira da Foz, 5 de Março
Há 15 anos
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