segunda-feira, 23 de junho de 2008

o dentista

O dentista é um homem novo com pinta.
É meu dentista já faz tempo.
É o meu preferido. Gentil. Cuidadoso. Explica tudo. Ouve música. Fala-me em alemão, por vezes, para lembrar amigos comuns da escola alemã.
Uma vez teve a gentileza do silêncio enquanto eu chorava copiosamente. Devo-lhe este gesto para sempre.
Assobia bem e certinho. Enquanto me esburaca a boca vai perguntando se está tudo bem.
Eu respondo por sms e mostro o telefone.
Ele usa uma máscara azul e eu sei de cor todos os poros do seu rosto do nariz até aos cabelos curtos e castanhos (talvez ele não saiba, mas há um branco a despontar).
Sei o desenho das suas sobrancelhas, os pêlos rebeldes, as marcas do tempo, os olhos verdes.
Ao fim de duas horas de o olhar, a luz forte a mexer lá em cima, a orientá-lo, as suas mãos dentro da minha boca, ele diz:

- Três dias de cara inchada, miúda. Vai parecer que o teu marido te bateu.